segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

SOBRE SER MÉDICO NOS DIAS ATUAIS

Por Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)

Um dia, ao assistir a visita da Cardiologia do Hospital Universitário, me veio uma sensação de que o tempo parou.

As enfermarias do Hospital resgatam uma época quando ainda era estudante e caminhávamos em busca de aprendizado.

No entanto, atualmente existe de forma clara, uma diferença, a ausência dos médicos à beira dos leitos!

Se por um lado acontece em respeito à privacidade, creio que noutro prisma relaciona-se a mudança da atitude ao cuidar.

Trata-se, evidentemente, de um hábito muito antigo, que certamente nasceu a caudal do sofrimento humano. As descrições originais de Hipócrates ao visitar um enfermo grave, em domicílio, são uma demonstração de como respeitar a crise, o adoecimento: "cumprimente a família ao adentrar na casa, peça permissão e dirija-se ao enfermo. Em respeito, debruce -se sobre seu leito. Após examina-lo junte a família para esclarecer as dúvidas".

Guardo na memória, a espera dos meus mestres, entre eles, meu pai. Cumpriam um ritual, mas acima de tudo, percebia em seus semblantes, ternura, compaixão e solidariedade ao sofrimento do paciente.

A Medicina era mais lenta, com menos tecnologia, mas nem por isso menos eficiente, já que confortava a alma do enfermo.

Com o tempo vi nascer outra ciência, a evolução da biologia molecular, da genética, da patologia clínica e dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Quase que ao mesmo tempo assumimos a dependência dessas metodologias. Muito se avançou, mas também cresceram os enganos, a iatrogenia. A insatisfação com o médico aumentou
desproporcionalmente.

Num mundo científico mais complexo e com a insatisfação dos doentes precisamos fazer mais devagar.

Precisamos, sim, de regras de trabalho que respeitem os princípios da atividade médica. 

As decisões, atualmente, são mais difíceis. Envolvem habilidades milenares como conhecimento técnico, pensamento crítico, conhecimento humanístico, mas também domínio de línguas, liderança e trabalho em grupo. Nada disso funciona sem empatia, responsabilidade e capacidade de trabalho.

E o paciente é o paciente, com suas angústias, seus medos, suas dúvidas e suas almas.

(*) Médico. Professor da UFC. Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 2/11/2024. Opinião. p.19.

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