Por Izabel Gurgel (*)
Ana Stela da Silva estava grávida quando da procissão do Senhor do
Bonfim de 1924, o acontecimento maior da vida de Icó, a cada primeiro de
janeiro. O menino nasceria dezoito dias depois, dia 19.
Almério Silva seria um homem de ofícios e funções públicas. Chefe
de gabinete do prefeito Aldo Marcozzi Monteiro (1939-2009), lembra-se dele
marcando o chão para a instalação de barracas da festa do Senhor do Bonfim.
Ele, com Aldo, cuidando da lapinha do Cruzeiro da Matriz de Nossa Senhora da
Expectação, na antiga rua Larga, atual Largo do Théberge.
Almério foi sacristão, servidor do antigo Dner, 'ponto no teatro',
aquele que, nos bastidores, dá as deixas para o texto se fazer bem dito em
cena. Professor de Língua Portuguesa, graduado em 1981 na Federal da Paraíba,
no campus de Sousa, a cerca de 120 km de Icó, Almério Silva viveu 72 anos.
Encantou-se dia 28 de julho de 1996.
Naquele ano, os gêmeos Márcio e Marciano, seus afilhados, tomaram
para si a responsabilidade de montar a lapinha da capela de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, nos fundos da Matriz.
Fica na antiga Rua do Meio, onde Almério morava, onde moram os
gêmeos. É obra de uma vida inteira de Almério a mais visitada lapinha da
cidade. Icó tem mais de uma centena de presépios, em espaços da vida pública e
em residências. Digo que é uma cidade-lapinha.
Professora das professoras de Icó, Mazinha Maciel nasceu em 1924,
no mesmo ano que Almério. Mazinha contava de si e da irmã Timinha, também
professora, elas crianças, banhadas e arrumadinhas para o passeio da tarde. Em
dezembro, a rota incluía presépios e lapinhas. Em especial, a da casa de Dona
Berta e Seu Odeon na então Rua Grande, hoje Ilídio Sampaio.
Diz-se que a lapinha de Dona Berta ficou para Almério, mais do que
afilhado do casal sem filhos, para quem Ana Stela prestou serviço. A mãe de
Almério era conhecida pela aplicação ao trabalho. Com esmero, lavava roupa no
rio, o Salgado, à margem do qual se desenhou Icó, cujo centro histórico foi reconhecido
pelo Iphan como patrimônio nacional em dezembro de 1997.
Márcio diz: "Padrinho Almério não deixava a gente
sossegado". Imagino Almério a ir e vir, feito agulha e linha em
habilidosas mãos, tratando de dar sustentação a uma espécie de bordado que o
antecedia, com o qual (se) compôs e haveria de perdurar, ultrapassando o tempo
de uma vida humana. Um jogo da memória como aposta no futuro.
Também parteira, Dona Berta aprendeu, e tomou por devoção e ofício,
os festejos do Natal. Ouvi da professora Maria de Lourdes Maciel de Melo
Peixoto: "Dancei no pastoril de Dona Berta". A lapinha dos gêmeos, de
Almério, de Dona Berta me faz pensar em outro cultivo das mãos na mesma rua do
Meio: os jardins de calçada.
Conta-se a rua do Meio como 'a dos escravos'. Faz fundos com as
duas das antigas casas senhoriais, as citadas rua Grande e Larga. Uma espécie
de casas de serviço ou de serviçais, como até hoje existem entrada e elevador
de serviço não exatamente para facilitar o fluxo da vida.
Passando um dia por lá, preste atenção. Todo nascimento é sagrado.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 10/11/24. Vida & Arte, p.2.
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