Por Alexandre Sobreira Cialdini (*)
O Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou, na semana passada, o
mapa-múndi oficial em uma versão invertida – “de cabeça para baixo”, disponível
em: <https://surl.li/msauuk>. Mas por que o mundo está ao contrário e
ninguém reparou? Vamos à resposta para a pergunta de Nando Reis.
Tive o privilégio
e a honra de ter sido aluno do professor Horacio Capel Sáez no mestrado em
Planificação Territorial e Desenvolvimento Regional da Universidade de
Barcelona. Geógrafo e ganhador do Prêmio Vautrin Lud (considerado o Nobel da
Geografia), o professor Sáez ensinava, com base na ciência e na cartografia, que,
desde o século 15, o mundo vem sendo mapeado a partir de diferentes
perspectivas.
A mais usual é a visão
eurocentrista – a chamada Projeção Cilíndrica de Mercator. Essa projeção foi
elaborada pelo geógrafo, cartógrafo e matemático holandês Gerhard Mercator
(1512–1594), inspirado pelo astrônomo e geógrafo Ptolomeu (100 –168). Vale
lembrar que a tese ptolomaica, segundo a qual a Terra ocupava o centro do
universo, foi aceita por 14 séculos até ser desmentida pelas teorias de
Copérnico e Galileu.
A cartografia de Mercator
foi a primeira representação cartográfica de toda a superfície terrestre. Nessa
projeção, os meridianos são planificados na forma de linhas verticais retas,
paralelas e equidistantes horizontalmente.
Já a Projeção de
Gall-Peters, conhecida como cilíndrica e equivalente, oferece uma alternativa à
de Mercator. Nela, as retas perpendiculares aos paralelos e as linhas
meridianas apresentam intervalos menores, resultando em uma representação mais
fiel das áreas dos continentes. O mapa recebeu esse nome em homenagem
a James Gall, escocês aficionado por astronomia que o desenhou pela
primeira vez em 1855, e ao historiador alemão Arno Peters, que difundiu suas
ideias na década de 1970. Essa projeção prioriza a proporção entre as áreas, e
não a forma dos continentes.
No mundo
anglo-saxão, os mapas-múndi produzidos na Austrália são os mais conhecidos
entre aqueles que adotam a perspectiva “de baixo para cima”, os chamados “de
cabeça para baixo” (upside-down). Além da Austrália, países como Japão e Nova
Zelândia também fazem mapas nos quais seus territórios aparecem centralizados,
como forma de legitimar seu posicionamento político.
Importa mencionar
que o primeiro mapa “de cabeça para baixo” foi obra do australiano Stuart
McArthur, que, aos 12 anos, desenhou o mapa “com o sul para cima”,
apresentando-o, posteriormente, na Universidade de Melbourne.
A plataforma The
True Size (https://thetruesize.com), de forma interativa, contribui para
combater o analfabetismo geográfico ao permitir comparações proporcionais entre
os países, sem anular a representação planificada.
Nosso geógrafo
maior, Milton Santos — também laureado com o Prêmio Vautrin Lud — costumava
afirmar: “O centro do mundo está em todo lugar, e cada lugar é o mundo à sua
maneira”.
Um exemplo
curioso vem dos quadrinhos. Mafalda, personagem criada pelo cartunista
argentino Quino, ironiza a disposição tradicional dos mapas, nos quais o Norte
aparece “em cima” e o Sul é mantido “embaixo”.
Em conclusão,
aprendamos com Mílton Santos e Mafalda que, em cartografia, não existe “para
cima” ou “para baixo”, mas apenas Norte e Sul. Em segundo lugar, é importante
destacar o caráter ideológico das ciências que construíram uma visão de mundo
centrada no Norte, região que hoje abriga a maior parte dos países
desenvolvidos.
(*) Mestre em
Economia e doutor em Administração Pública e Secretário de Finanças e
Planejamento do Eusébio-Ceará.
Fonte:
O Povo,
de 15/05/25. Opinião. p.21.
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