Por
Saraiva Junior (*)
Tenha a certeza de que está ficando velho
quando começar a ouvir dos seus filhos, com certa recorrência, a seguinte
frase: “De novo a mesma história!”. Nessas ocasiões, em geral, sua companheira
corrobora: “Mais uma vez a mesma lenga-lenga!”. Tenha calma, pois essas serão
apenas as primeiras restrições impostas aos velhos com o manto da convivência,
temperada pela indelicadeza, a ironia e o mau humor.
No meu caso, lembro que, quando criança, às
vezes dizia para mamãe, em tom de aborrecimento, que papai repetia muito algumas
histórias. Ela logo o defendia, ressaltando que ele costumava acrescentar algo
novo ao narrar aquelas que pareciam as mesmas histórias. De modo carinhoso, ela
o transportava da simples categoria de chato para a de eterno fabulador
criativo.
Com o passar dos anos, toda gente acumula
experiências, vivencia uma gama variada de sentimentos, conhece pessoas que
julga importantes e testemunha fatos sociais e históricos. Alguns desses fatos,
quer sejam mais ligados ao âmbito privado ou ao âmbito da coletividade, são
considerados relevantes. Então, quando se está velho, parece-me natural o
desejo de contar e recontar as situações que marcaram a própria vida.
Mas por que isso acontece? Talvez porque,
ao relatar uma experiência, podemos percebê-la com outras lentes e absorvê-la
melhor; podemos sentir prazer ao realizar o trabalho da memória que é também um
trabalho de criatividade; podemos revisitar como forasteiros aqueles jovens que
fomos um dia; podemos, enfim, reviver.
A verdade é que poucos têm paciência de
ouvir as histórias dos velhos. O atual modelo de sociedade, que explora o
trabalho, visa o lucro e o consumo, enxerga o velho como quem deu o que tinha
que dar. Resta o interesse nos proventos de sua aposentadoria. E, assim,
culturalmente, a família vai descartando o idoso ao intimá-lo ao silêncio,
jogando-o para a solidão, sua primeira morte.
Se a fabulação, como dizia o sociólogo e
crítico literário Antonio Candido, é necessidade universal, então todos
precisam, em alguma medida, de um causo, uma piada ou um poema, como uma tática
de sobrevivência.
(*) Escritor e
ex-conselheiro do Conselho de Leitores de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 20/05/25. Opinião. p.18.
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