Por Romeu Duarte Junior (*)
Às vezes penso (penso, não, tenho certeza)
que, no Brasil, o crime já ganhou do Estado há muito tempo. Não vou nem me
reportar às violências comezinhas do cotidiano (feminicídio, transfobia,
estupro de vulnerável, morte por bala perdida e um longo etc.) porque aí seria
apenas perder tempo e aumentar o tempo de choro. Refiro-me à captura da
honestidade, da administração pública e do Direito, algo que no passado, era
promovido e defendido pelo Estado, pela onipresente, violenta e insaciável
bandidagem. Organizações criminosas essas, aliás, estabelecidas em diversos
níveis e com variadas atuações. Longe está o tempo em que temíamos os ladrões
de galinha; hoje são os afanadores das penosas de ouro que mandam. E o pior é
quando os dois do título se confundem.
Primeiro réu da chacina do Forró do Gago
(ia escrevendo Lady Gaga), na qual foram mortas 14 pessoas, é condenado a 790
anos de prisão. Pergunto aos meus botões: quanto tempo de pena cumprirá? Ou
arrumará um atestado médico no qual se afirmará que sofre de mazelas
incuráveis, tal como procedeu recentemente um ex-presidente da República, para
ficar em casa num dolce far niente, lustrando a tornozeleira eletrônica?
Dono de rádio é assassinado por policiais militares no dia do seu aniversário
na porta de uma padaria. Advogado teria sido morto por não conseguir soltar
cliente. Ex-lutador do UFC é preso por fornecer armas e munições ao CV, ação
facilitada por ser CAC, absurdo criado no desgoverno do inominável. Desse
jeito, teremos que dar razão ao Marcola...
Pois é, meu povo, as páginas dos jornais
gotejam sangue. Quando não o é rubro líquido da vida, é a bílis do ódio por ter
sido roubado por quem deveria tomar conta da gente. Quantas vezes presenciei o
calvário dos velhos na fila do INSS quando tinha que resolver questões ligadas
ao benefício da minha tia. Idosos e idosas chegando em cadeiras de rodas e até
em macas para provarem que estavam vivos, numa asquerosa humilhação. De
repente, aparece um rombo de mais de R$ 6 bilhões, arquitetado por associações
de aposentados e pensionistas e gente do próprio órgão mediante rachadinhas (o
nome da treta já diz da sua origem temporal), que começa a ser resolvido agora.
O problema é saber como fazer dinheiro transformado em bens ir para os seus
legítimos donos.
Como se tudo isso fora pouco, assistimos
diariamente às incansáveis tentativas dos seguidores do réu inelegível em
livrá-lo da cadeia. O Brasil precisa se encontrar consigo mesmo e um dos
caminhos é o Estado virar o jogo em relação ao crime. A pergunta surge
imediata: como, cara-pálida, se o Estado está em boa medida contaminado pelo
delito, a corrupção e os desmandos? Como aceitar que deputados e senadores
peçam anistia para aqueles que destruíram as sedes das instituições onde
trabalham, além das demais na Praça dos Três Poderes? Não têm sequer dignidade,
ou melhor, vergonha na cara? A raiva já me inflamava quando ouvi alguém,
passando na calçada, gritar: "Viva o Papa Leão!". Saí e saudei o
sujeito. Com a camisa do Ceará, falou: "É o Vozão, doido".
(*) Arquiteto e
professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 12/05/25. Vida & Arte. p.2.
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