Por Cláudia Leitão (*)
O grande alento de um leitor é o de ter
tempo para revisitar velhas leituras. Há alguns dias, Marshall Berman me
seduziu a revisitá-lo. Durante um par de horas vaguei e naveguei, por meio das
transfigurações do Fausto de Goethe, na tragédia do desenvolvimento moderno.
Desde as primeiras linhas do prefácio do
seu "Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade",
Berman nos alerta sobre o fascínio do pertencimento a um "mundo
moderno" nas suas diversas dimensões e possibilidades.
Há na modernidade um desejo fundador de
mudança que nos (co)move, apesar de suas contradições. Acometidos da vertigem
da autotransformação e da transformação do mundo em nosso redor, imaginamos
sociedades seguras e organizações controladoras, mas o que experimentamos é a
desintegração e a desorientação.
Impossível não perceber o grande paradoxo
ou a triste ironia entre o INSS e a cidadania — organização e expressão
modernas. Tudo o que é sólido desmancha no ar. Aposentadorias, medicamentos,
moradias decentes, empregos, educação de qualidade, entre tantas outras
promessas da Modernidade-Mundo, também desaparecem diante de nós. Afinal, a realidade
é mesmo a maior das "fake-news". Rousseau, na sua obra "A nova
Heloísa" traduz como ninguém a metáfora de Cartola de que "o mundo é
um moinho".
O jovem camponês Saint-Preux reflete sobre
sua nova vida na cidade em carta enviada para sua amada Julie: "Tudo é
absurdo, mas nada é chocante, porque todos se acostumam a tudo... o bom, o mau,
o belo, o feio, a verdade e a virtude têm uma existência apenas local e
limitada".
Desde o século XVIII, parecemos estar
perplexos com a vida moderna, ou melhor, com a (des)humanidade que a mesma aos
poucos produziu. A moderna humanidade implodiu os ideais cristãos da
integridade da alma e da aspiração à justiça e à verdade. Nietzsche se refere à
"morte de Deus" para refletir sobre o niilismo do nosso tempo. O novo
papa parece simbolizar o adiamento da implosão do Cristianismo. A esperança é
mesmo a última que morre.
(*) Cientista Social. Professora da Uece. Diretora do Centro
Internacional Celso Furtado para o Desenvolvimento.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 12/05/25. Opinião. p.20.
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