quarta-feira, 25 de junho de 2025

UM LIVRO DE GILLES DINIZ

Por Izabel Gurgel (*)

"São tantas as histórias escondidas nos lugares, também nas pessoas, como se guardadas em conchas fechadas. Às vezes, deixam, por deslize, que um corpo estranho adentre seu universo e nele faça nascer uma pérola."

Tomara que você também leia "Nomes de Terra". Li e reli o livro de Gilles Diniz. Antes, ouvimos parte dele à mesa de uma das nossas rotas literárias em curso na biblioteca do Centro Cultural Banco do Nordeste Cariri.

Com "Nomes de Terra", Gilles Diniz inscreve Faia e Pedra no mapa e no dicionário de lugares ficcionais que nós, criaturas leitoras, incorporamos. Bonita composição, memória e criação literária, na cozinha do tempo.

Na pequena Faia, cidade às margens da linha férrea, o narrador é iniciado no jogo da vida, cujas regras só se conhece jogando. "Aqueles anos passados com vovó foram como uma era inteira de aprendizados sobre o mundo".

Entramos na cidade, e no livro, pelo aroma do qual o narrador sente saudades. Vem da cozinha e toma conta da casa, "como uma presença". A avó, um abraço onde "poderia morar para sempre", faz bolo "com uma delicadeza que só os devotos têm por suas divindades". Além do cheiro, o ruído das conversas, inclusive de quem chega como quem nada quer. É possível chegar sem nada querer a uma casa com bolo saindo do forno?

A casa é quase rua. O bom-dia desliza calçada adentro, feito um gato. O narrador é forjado como a avó constrói, uma a uma, as flores de confeito. Maneja o fazer e a aplicação do artifício que, no caso do bolo, finda no céu da boca, um dos paraísos no corpo, ali onde a língua toca. Em Faia, a língua é treinada como um cão. Passeio e caça. Doméstica e devastadora como uma faca.

Depois de Faia, o lugar das primeiras sensações e palavras, a mudança para Pedra, onde tudo que é, canta. A ariramba-de-cauda-ruiva, o rio Itaytera, a chapada outrora fundo do mar. E a memória recriando Faia como um bordado a quatro mãos, o neto e a avó.

"Nomes de Terra" guarda uma descoberta do mundo e sua invenção pela linguagem. Um livro de formação. Leitor das mil e uma noites de Sheherazade que a avó conta de ouvir no rádio, dos silêncios do avô ao crepúsculo, do espanto no cotidiano - bonito e perverso, o narrador enlaça Faia e Pedra como notas musicais em uma sonata. Tudo conta: "Onde quer que se vá é preciso buscar a beleza, o ímpeto de vida".

Livro de viagem, caderno de campo de caminhante. "O livro de Gilles é para ser lido e degustado como um caramelo que se deixa dissolver, sem pressa, na boca. É um dos melhores textos que tenho lido ultimamente", diz José Flávio Vieira no prefácio.

Gilles Diniz é do Ceará. O livro, uma publicação da Urutau, de 2024. Em Fortaleza, tem na Substânsia, à entrada do cinema no Dragão do Mar. Indico o livro e a livraria. Pra seguir na invenção do lugar onde se vive.

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 25/05/25. Vida & Arte, p.2.

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