Por Heitor
Férrer (*)
Como médico e deputado estadual, não posso
silenciar diante da criação do Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica
(Enamed). A iniciativa, embora travestida de preocupação com a qualidade dos
profissionais de medicina, escancara o verdadeiro problema: a falência do poder
público em garantir a formação adequada dos nossos futuros médicos. O Enamed,
longe de ser uma solução, é, na verdade, um atestado de fracasso e, pior, um
grave risco à saúde da nossa população.
A criação de uma prova nacional para
avaliar os formandos é a confissão cínica de que o governo, que deveria zelar
pela excelência do ensino médico, optou por lavar as mãos. Em vez de fiscalizar
rigorosamente a abertura e funcionamento dos cursos de medicina, como exige o
Conselho Federal de Medicina, que, há anos, estabelece critérios objetivos e
sérios, como a necessidade de estrutura adequada, hospitais de ensino, corpo
docente qualificado e laboratórios modernos, o MEC se omite e terceiriza a
responsabilidade para uma avaliação ao final do curso.
A consequência dessa omissão é dramática.
Cursos sem hospitais próprios, sem infraestrutura, sem professores experientes
continuam a proliferar Brasil afora, empurrados por interesses econômicos e
políticos. E quem paga a conta é a população, que corre o risco de ser atendida
por médicos mal formados, sem a vivência clínica e o preparo necessário para
lidar com a complexidade da prática médica.
Se o governo fosse, de fato, compromissado
com a formação médica de qualidade, começaria pelo óbvio: fechar os cursos que
não cumprem os padrões do Conselho Federal de Medicina. Não faltam normas
técnicas! Falta decisão séria, responsável. Implementar um exame ao final da
graduação é um atalho cômodo e ineficaz, que apenas disfarça a gravidade do
problema. Gera uma falsa sensação de segurança, como se um simples teste
pudesse corrigir anos de formação inadequada.
A medicina exige compromisso integral com a
vida, formação contínua, responsabilidade ética e técnica desde o primeiro dia
de faculdade. Reduzir a formação médica a um exame é nivelar por baixo a nobre
missão dos médicos e tratar com desprezo a saúde dos brasileiros.
Não podemos compactuar com esse cinismo. O
futuro da medicina brasileira e, sobretudo, a vida dos nossos cidadãos exige
seriedade na formação médica. E seriedade se constrói com fiscalização,
critérios rigorosos, investimento em educação de qualidade e respeito à
ciência. O Enamed não é a solução. É a prova do fracasso do Estado na formação
médica no Brasil.
(*) Médico
e deputado estadual (Solidariedade).
Fonte:
Publicado In: O Povo, de 3/05/2025.
Opinião. p.19.
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