Reginaldo Costa,
Superintendente Clínico do ICC - Instituto do Câncer do Ceará, em entrevista
para as Páginas Azuis do jornal O Povo. (Foto: Alex Gomes/O Povo)
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Fortaleza, CE, Brasil, 03-09-2019:
ONCOLOGIA - Neste mês, o Instituto do Câncer do
Ceará completa 75 anos. Superintendente clínico da entidade, Reginaldo Costa
analisa os avanços e desafios contra a doença e a pesquisa no Ceará
Referência
mundial na pesquisa e no tratamento oncológico, o Instituto do Câncer do Ceará
(ICC) completa, neste mês, 75 anos de existência. Nos últimos 15 anos, o
cirurgião oncológico Reginaldo Costa faz parte dessa trajetória. Há oito anos,
ele é superintendente clínico da instituição. A história do médico se confunde
com a do ICC, diz. Formado pela Universidade Federal do Ceará (UFC), ele se
interessou pelo estudo do câncer ainda na residência médica e, desde então,
trabalha na gestão, na pesquisa e no cuidado de pessoas com a doença. Em
entrevista ao, o piauiense, da cidade de Floriano, conta sobre o início da sua
carreira, quando veio para Fortaleza prestar vestibular, avanços e inovações da
pesquisa em oncologia no Ceará. Ele ressalta o pioneirismo do ICC em pesquisas
internacionais e o trabalho de excelência da instituição. O superintendente
avalia ainda o desafio apresentado pela prospecção de crescimento da doença
junto à crise econômica.
O POVO - Como
foi a sua chegada ao Ceará?
Reginaldo Costa -Cheguei aqui em 1993. Vim sozinho para
concluir o Ensino Médio. No ano seguinte, ingressei na Faculdade de Medicina da
UFC. Vim com a cara e a coragem morar numa pensão na avenida da Universidade.
Depois, minha família acabou vindo por uma feliz coincidência. Minha irmã
cursava Pedagogia e morava numa das residências universitárias. Minha mãe era
dona de casa e meu pai trabalhava numa construtora que, em 1994, fez um
trabalho na avenida Washington Soares. Daí, eles vieram para cá e a gente
conseguiu juntar toda a família novamente. Foi um momento maravilhoso. Meu
ambiente familiar sempre foi muito favorável, então, eu pude contar com esse
apoio. Apesar de ser uma fase bastante puxada, a faculdade foi muito boa.
OP - Ainda
hoje o curso de Medicina é muito concorrido. Na sua época, como era essa
questão?
Reginaldo - Recentemente, pude acompanhar a trajetória do meu filho de 23
anos que, após dois anos de cursinho, conseguiu ingressar em Medicina. Foi um
momento muito bom porque tive a oportunidade de rever todo o processo que vivi
um dia. Eu cheguei a anular um ano inteiro da minha vida. Me pergunte sobre
1993 que eu não lembro de nada. Foi um ano de total dedicação. Além das aulas
regulares, fazia cursos paralelos. Cursar Medicina sempre foi um desafio muito
grande. É um curso de seis anos, a maioria termina ali nos 23 anos.
Normalmente, os estudantes terminam a faculdade e é quase obrigatório fazer uma
residência em seguida, caso contrário, ele não se insere no mercado. A maioria
também se sente pressionada a fazer uma subespecialidade. Depois da faculdade,
eu engatei logo na residência de cirurgia geral. Em seguida, entrei na
residência oncológica do Instituto do Câncer do Ceará (ICC). Desde então, estou
por aqui. Apesar de toda história bonita, tem esse lado muito cruel. É um curso
quase de dedicação exclusiva, especialmente depois do quinto ano, no qual você
entra na fase dos estágios. É empenho total mesmo, porque, além das aulas, você
tem os plantões. É necessário analisar essa questão do tempo.
OP - Como foi
sua entrada no ICC e seus primeiros anos?
Reginaldo - Nos anos 2000 e 2001, fiz residência em cirurgia geral no
Hospital Geral Dr. César Cals. Durante esse período, fiz também estágio eletivo
de um mês no ICC. O contato veio a partir daí. Foi na cirurgia geral que tive
contato com oncologia. Sempre fui apaixonado pela especialidade, porque sempre
achei uma área desafiadora. Quando veio a decisão, foi para atender a
necessidade de me aprofundar. Cumpri os dois anos de residência aqui e, a
partir daí, minha vida profissional se confunde um pouco com a vida do próprio
ICC. A minha história está muito inserida aqui dentro.
OP - Como
você ingressou na gestão do ICC?
Reginaldo - Após concluir a residência, eu trabalhei numa cidade do interior
cearense, na Santa Casa de Canindé, onde fui eleito diretor clínico. A partir
desse desafio, surgiu o interesse de entender mais do mundo da gestão. É um
hospital que tem suas particularidades, tem suas dificuldades, porém foi também
um local de aprendizado para assumir a direção pública de uma unidade
hospitalar mais complexa e com um corpo clínico muito maior. Por isso, fiz MBA
em Gestão Empresarial. Conclui a residência e passei a integrar o corpo clínico
do ICC. Em 2005, assumi também a coordenação do setor de emergência. Ou seja,
sempre tive uma proximidade muito grande com o corpo diretivo, até pela
necessidade de interagir, porque a emergência daqui é um dos corações do
hospital. Em 2011, veio o convite para assumir a direção clínica.
OP - Como
você avalia a vida de médico e gestor e concilia essas funções?
Reginaldo - Falar do ICC e falar de se sentir bem aqui é muito fácil. Porque
é um hospital que me sinto empolgado todas as vezes que saio de casa e venho
para cá. Não só pelos desafios contínuos, é impossível passar por aqui e sair
do mesmo jeito que entrou, seja como profissional, seja como paciente, seja
como acompanhante. Você não sai a mesma pessoa. Todo mundo sempre tem um olhar
de pesar por se tratar de câncer, e vincula a um momento de sofrimento e de
dor, mas a gente percebe, com o passar do tempo, que também é um local de muita
esperança. Hoje, a história natural do câncer mudou muito, principalmente a
perspectiva dos pacientes. Isso motiva a lutar com o caráter de excelência. Não
tem um dia sem desafio diferente, seja de dificuldade, seja de crescimento.
Conviver com médicos residentes renova tudo aquilo que você viu lá atrás e
serve como combustível para sair de casa e vir trabalhar. Participar desse
processo de formação melhora nosso convívio. O balanço é muito positivo todos
os dias.
OP - Qual o
desafio de ser um médico oncologista no Ceará com relação à estrutura e
tecnologia?
Reginaldo - Quando se fala de oncologia ainda num Estado tão pobre como o
Ceará e a região Nordeste como um todo, mesmo com muitos avanços que já
aconteceram, mesmo inserido num hospital de excelência como ICC, a gente ainda
convive com muitos desafios relacionados principalmente ao acesso dos
pacientes. Muitos nos procuram quando a doença está avançada. Há um atraso no
acesso mesmo. Muitos pacientes tiveram o diagnóstico feito há dois meses que
batem a porta hoje lá do interior e não conseguem transporte. Você tem um
hospital de excelência, consegue ofertar tudo de mais atual na vanguarda da
tecnologia, mas muitas vezes tem de conviver com essa realidade. Esse é um dos
desafios dentro de um hospital com essa complexidade. Mas ao mesmo tempo muito
desafiador, o ICC tem um modelo de atendimento que não faz ações centradas
somente na figura do médico, mas descentralizadas e compartilhadas com outras
profissões. Isso tem um valor agregado muito forte e faz com que o dia a dia de
trabalho seja muito mais fácil.
OP - Muita
gente do interior é atendida no ICC. Como é a parceria com as prefeituras? O
que ainda precisa melhorar?
Reginaldo - Existem ações de curtíssimo prazo, no momento que a gente
notifica a prefeitura, a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa) fica ciente da
dificuldade que aquele paciente tem. O serviço social do hospital, por exemplo,
quando está diante de um caso mais urgente, liga para prefeitura a fim de
facilitar a chegada desse paciente aqui. Essa é uma ação de curto prazo.
Existem ações de médio prazo, como trabalhos de educação continuada com agentes
de saúde do interior. Recentemente, colocamos dentro do auditório do ICC mais
de 50 agentes de saúde de Fortaleza e quase todos passaram por um processo de
treinamento. Além de facilitar o conhecimento desses profissionais no que se
refere ao câncer, isso melhora o acesso em termos de saber o caminho para que o
paciente possa chegar mais precocemente. Existem ações de longo prazo, como os
programas de residência, não só de residência médica, mas residência
multiprofissional. No momento em que se começa a produzir profissionais mais
capacitados - sejam eles médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos,
nutricionistas - com formação em oncologia, todos acabam voltando para o seu
município e lá começam a diagnosticar mais precocemente. Isso facilita o acesso
dos pacientes ao instituto. Então, temos iniciativas que são rápidas, muito
rápidas e outras que colheremos em cinco, dez, quinze anos.
OP - Em
relação à tecnologia, como está o ICC dentro desse cenário se comparado aos
centros internacionais?
Reginaldo - De maneira muito palpável e prática mesmo, nós temos o terceiro
maior programa de residência em cancerologia no Brasil. Temos um programa em
parceria com o Hospital A. C. Camargo (SP) que produz doutores e pesquisas
desenvolvidas em nível local. Quando a gente fala de material humano, temos
isso. Se levarmos em conta a quantidade de equipamentos em funcionamento,
contamos com o maior parque de radioterapia do Norte e Nordeste, executando os
mesmos procedimentos de excelência do Sul e do Sudeste. O parque se destaca
porque incorpora um número de equipamento mas também de complexidade de
procedimentos que se destacam do restante do Brasil. Temos um centro cirúrgico
com equipamentos de excelência. Além disso, temos uma parceria com a
International Business Machines Corporation (IBM). Existe uma plataforma
chamada IBM Watson que surge como inteligência artificial. Nessa parceria
direta, o ICC passou a ser o primeiro hospital do mundo a utilizá-la com
enfoque em oncologia. A gente tem ajudado na estruturação desses protocolos de
utilização voltados para oncologia. Estamos na vanguarda do mundo todo no que
se refere a material humano, equipamentos e processos. Existe o interesse
direto da IBM no instituto, porque alguns tipos de tumores são mais frequentes
no Ceará e não são encontrados em países de primeiro mundo, como o câncer de
colo uterino. Um tipo de câncer de altíssima mortalidade que seria facilmente
diagnosticado, de maneira muito barata, por meio de um Papanicolau simples.
Mas, infelizmente, a maioria das pacientes buscam atendimento numa fase muito
avançada. Esse tipo de tumor não é encontrado lá fora, especialmente porque
existem programas de prevenção muito fortes. Por isso, o interesse deles em
pesquisas desse tipo de câncer. E a gente tem uma estrutura e um corpo clínico
organizado, protocolos bem estabelecidos e em números de casos que impulsionam
a pesquisa. Com o câncer de pênis também. Existem trabalho na Europa em que os
pesquisadores levantam 15 casos. Existem trabalhos do ICC que levantam 300
casos. Tem alguns tumores que são mais frequentes no nosso meio e despertam
muito interesse de outros centros de pesquisa. Até porque a gente tem uma
estrutura aqui chamada de "banco de tumores" que armazena essas
amostras e serve para pesquisas não somente em nível local.
OP - E como
fica o investimento nesse momento de crise?
Reginaldo - Por ser filantrópico, o ICC tem atendimento tanto feito pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) como por meio de convênio de maneira equilibrada.
Existe uma obrigação para atender pelo menos 60% de pacientes pelo SUS. Esse
número é de 70% aqui. Ao longo desses 75 anos, é nesse pilar que a gente se
mantém. Apesar de todos os desafios do SUS, mas existem alguns princípios que
conseguimos executar na integralidade, que é oferecer tudo num só local. Desde
a consulta inicial passando pelo atendimento inicial, ultrassom, mamografia,
biópsia do nódulo da mama — temos laboratório de patologia que entrega o
resultado do exame em três dias —, tomografia, raio-x. Além de executar o
tratamento específico, quimioterapia, radioterapia, cirurgia de alta complexidade,
entre outros. Na integralidade, o SUS é viável. O desafio é estender esse
tratamento num cenário que aponta para crescimento do número dos casos de
câncer. Trabalhos apontam que a perspectiva para 2050 é quase o dobro do número
de casos atuais. A estimativa é de 30 milhões/ano. Se, diante desse cenário de
crescimento e envelhecimento da população, junto às graves crises econômicas
que vão se sucedendo, você ainda tem uma gestão muito enxuta, é preciso
processos muito estabelecidos e coragem para trabalhar, porque é desafiador. É
necessário mais investimento e redirecionamento dentro do processo de gestão.
Apesar de ser uma entidade filantrópica, sofre diretamente das ações públicas,
porque se o investimento dos recursos públicos em saúde cai, limitando-se a
quantidade de pacientes a serem tratados. Para o futuro, o desafio é continuar
prestando esse modelo de assistência, com esse volume de atendimento e
destinando os recursos para o crescimento de casos.
OP - O
investimento atual tem sido suficiente?
Reginaldo - Já não é suficiente na medida que, por exemplo, a Prefeitura de
Fortaleza estabelece um teto para realização de cirurgias. Hoje o ICC faz
aproximadamente 450 cirurgias por mês. Essa limitação vem no momento do aumento
do número de casos. Muitos pacientes podem ficar sem atendimento em tempo
hábil. Vão ser atendidos, porque existe uma lei que obriga a operação, a
quimioterapia e o início do tratamento em até 60 dias. Mas a tendência é que
esse investimento caia. O desafio aumenta.
OP - O que
a gente tem de pesquisa com foco na individualidade do paciente oncológico?
Reginaldo - O ICC mantém uma parte muito forte na pesquisa clínica, não só
do que é o câncer e da forma como ele se comporta. Hoje o estudo ontogenético é
muito forte. Esses estudos visam individualizar a questão do tratamento. Porque
muitas vezes você pega duas pessoas no mesmo estágio da doença. Elas fazem o
mesmo tratamento e os resultados são muito diferentes. Algumas com resultados
satisfatórios e outras nem tanto. Com base nisso o estudo oncogenético é feito.
Os estudos chegam e sinalizam que uma droga "A" serve para um grupo
de pacientes que tem determinadas alterações, enquanto a droga "B"
não serve para ele, mas pode servir para outro. O tratamento passa a ser cada
vez mais individualizado e isso tem impacto direto na sobrevida, nos resultados
assistenciais e também nos custos. Como é tudo muito novo, tem muitas
medicações que são de um custo diferente, outras não são produzidas em nível
local, em nível Brasil, muitas estão saindo agora de protocolos de pesquisa e
acabam tendo um custo maior, até que perdem patente e passam a ser
comercializadas em larga escala. De fato, têm-se um custo alto, mas é em
benefício dos pacientes.
OP - Como
estão as pesquisas em relação a um tratamento menos agressivo?
Reginaldo - Todas as áreas de tratamento do câncer tiveram avanços nesse
sentido. Há 30 anos, você tinha dois grandes desafios. O primeiro era comunicar
para o paciente que ele tinha câncer e o segundo era dizer a necessidade da
quimioterapia. O que gerava um temor entre os pacientes. O que era um temor
real. Ao longo desses anos, a gente teve muitos avanços tanto em quimioterapia,
como em radioterapia, quanto em cirurgia. Na quimioterapia, as drogas passaram
a ser mais efetivas, exatamente como resultados dessas pesquisas. Os
tratamentos, cada vez mais, passam a ser individualizados. Eles têm um alvo, a
história da "terapia-alvo", que age especificamente sobre a célula
tumoral. Entendendo que muitos efeitos colaterais aconteciam porque as drogas
mais antigas atuavam tanto na célula doente quanto na célula normal. Os
remédios passaram a ter menos efeitos colaterais e agora são mais efetivos. A
própria radioterapia, você passou a dosar, modular melhor o campo a ser
irradiado. Isso afeta diretamente na questão dos efeitos colaterais. Irradia-se
uma área muito menor, ataca a área de uma forma muito mais direcionada. E a
cirurgia acabou sendo um resultado de muitos avanços, como da própria quimioterapia,
porque antes se partia direto dela. No câncer de mama, por exemplo, a maior
parte dos pacientes tratava inicialmente com cirurgia para depois fazer
quimioterapia e radioterapia. Hoje, é quase mandatório os pacientes fazerem
primeiro tratamento para ver se reduz o tumor e, assim, fazer uma cirurgia mais
econômica. Em vez de se fazer uma cirurgia muito mutilante, como tirar a mama
completa da mulher, você consegue tirar só um quadradinho com os mesmos
resultados. Se comparar os resultados de antes com os de hoje, esses provam que
são muito mais efetivos do que se tinha no passado, contrariando o pensamento
popular de que "tem câncer? Tira logo que resolve". Muitas das
cirurgias decorrem disso e da evolução tecnológica, como a videocirurgia e a
cirurgia a laser. Há 20 anos, praticamente não se executava uma videocirurgia
para operar câncer de estômago. Atualmente, os trabalhos apontam também que os
resultados em termos de cirurgia são iguais. A cirurgia convencional, com uma
incisão muito maior, acaba tendo mais complicações a médio prazo porque o tempo
de recuperação é maior, as complicações são mais frequentes. Já uma cirurgia
por vídeo leva o paciente a ter uma recuperação mais rápida. Tudo o que é em
oncologia teve muito avanço como consequência das pesquisas e em decorrência de
avanços em outras áreas também.
OP - O que
o senhor projeta para o futuro em relação ao tratamento contra o câncer?
Reginaldo - Hoje, existem muitas pesquisas, principalmente voltadas ao
desenvolvimento de drogas, e isso é contínuo. As medicações tendem a ser cada
vez mais efetivas, direcionadas e mais práticas em termos de administração. Tem
muita coisa nova surgindo, de comprimido mesmo, em termos de cura e de controle
da doença. Resultados tão efetivos como a quimioterapia, que é injetável.
Muitas técnicas novas em radioterapia. A própria cirurgia também, a cirurgia
robótica, por exemplo. Nos EUA, você tem mais cirurgia de próstata feita por
robô do que da forma convencional. Cada vez mais, a gente vai ver a
incorporação dessas tecnologias nos tratamentos de câncer como resultado de
pesquisas. A radioterapia, em particular, pelo avanço não somente dos
equipamentos, como também das técnicas novas que permitem melhor resultado em
termos de irradiação e de efeitos colaterais.
OP - Nesse
processo de tratamento, qual a importância de ações transversais e de
assistência ao paciente?
Reginaldo - Na hora que o paciente busca atendimento no setor da triagem,
que é a porta de entrada do ICC, ele realiza uma consulta para separar os casos
que são suspeitas dos que realmente são diagnósticos de câncer. Uma vez
atendido nisto que a gente chama de "linha de cuidado", ele é
assistido não só pelo médico, mas por todos os profissionais que, em algum
momento, vão intervir na assistência desse paciente, como o pessoal da
fisioterapia, da farmácia, da nutrição, da psicologia e do serviço social.
Principalmente, esses dois últimos, embora pareçam coisas muito intangíveis. É
impressionante como muitos pacientes não conseguem dar prosseguimento ao tratamento
porque não tem como ficar na cidade, pois estavam tão angustiados, tinham
tantas coisas formuladas sobre o tratamento, que resolveram abandonar. Por isso
que é importante ter um assistente social para ver questões de direito do
paciente, de receber benefício, onde ele vai ficar, o contexto familiar que
está inserido. A psicologia também serve para ter uma abordagem além da questão
buscam os hospitais carregam um peso muito forte na questão psicológica,
principalmente porque o câncer tem todo um estigma de morte. Além dessa questão
assistencial, o ICC mantém um programa de cuidados continuados, que presta
assistência ao paciente pós-conclusão de tratamento. Alguns pacientes entram
numa fase que a gente chama de "refratária de tratamento". Ou seja,
não obtiveram a cura ou uma evolução favorável e passam a ser assistidos em
casa. Todos os profissionais avaliam as dimensões psicológica, social,
nutricional e médica. O paciente continua recebendo essa assistência em
domicílio e participando de muitas ações do hospital também. Existem outras
ações que correm na paralela, como o laboratório de oncogenética que serve para
aconselhamento familiar. Você vai ver que muitas famílias têm histórico de
câncer. Além da prestação de assistência ao paciente, existe para os
familiares.
OP - Após
tantos anos conhecendo diferentes histórias de pacientes, como trabalhar no ICC
mudou sua perspectiva de vida?
Reginaldo - É impossível você passar por aqui e sair com os mesmos
princípios e valores. De fato, você começa a perceber a vida com outro olhar,
com outros valores, com outros propósitos. Tudo isso leva você a repensar muita
coisa. Minha esposa teve câncer muito jovem, com 21 anos, estava no início de
faculdade. Tive a oportunidade de conviver com todo o histórico de tratamento
dela. Mesmo antes disso, todas as histórias daqui não são apenas de sofrimento,
mas de superação condicionam você a repensar muito daquilo que é visto como um
bicho de sete cabeças. Sem querer ser simplório na definição, muitas vezes a
gente se apega nas pequenas coisas. Quando você vê pacientes lutando por
semanas ou dias de vida, motiva a repensar muito dessas coisas e a valorizar
mais.
OP - Com isso,
que avaliação você faz de dificuldades que passou?
Reginaldo - Dificuldades, desafios pessoais, todo mundo tem, mas eu não me
permito falar de sofrimento, dizer que sou triste. Sinceramente, eu nunca sofri
na minha vida, absolutamente nada. Acho que minha vida é boa demais. Sinto
cansaço, preocupação, tenho um filho de 23 anos, outro de 17, um de 13 e outro
de um ano e quatro meses. Sou uma pessoa extremamente abençoada em diversos
aspectos, mas não consigo lembrar de nenhum momento como "ah, abri mão de
uma noite de festa" ou algo do tipo. Não tenho dúvida nenhuma que eu tive
de fazer muitas escolhas na minha vida, mas nenhuma delas vi como sofrimento e
nem consigo achar que o sofrimento é só a doença. O sofrimento também é a dor
na alma. Eu me acho agraciado por ter sido escolhido e ter a oportunidade de
trabalhar com isso. Por ter a percepção que eu acho que eu tenho do mundo, que
vai muito além da questão da medicina e do trabalho. Não consigo dizer que
tenho problema algum. Zero.
História
O nascimento do ICC foi uma iniciativa de um grupo composto pelo padre
Arquimedes Bruno e por dez médicos: Waldemar Alcântara, Haroldo Juaçaba, Walter
Cantídio, Newton Gonçalves, Antônio Jucá, João Batista Saraiva Leão, Livino
Pinheiro, Jurandir Picanço, Walter Porto e Luiz Gonzaga da Silveira.
Conquistas
Algumas conquistas do Instituto foram a construção do Hospital Haroldo
Juaçaba (HHJ), que iniciou oficialmente suas atividades em 1999. O ICC mantém,
ainda, a Casa Vida, casa-abrigo que recebe pacientes e familiares, além da
Educação Continuada em Oncologia (ECO) e a Faculdade Rodolfo Teófilo (FRT), no
campo do ensino e da pesquisa. O ICC conta com o terceiro maior programa de
residência em cancerologia no Brasil e com o maior parque de radioterapia do
Norte e Nordeste.
Parceria
O ICC passou a ser o primeiro hospital do mundo a utilizar a plataforma
IBM Watson, da International Business Machines Corporation (IBM), que trabalha
com inteligência artificial, com enfoque em oncologia.
Fonte: Jornal O Povo, de 25/11/2019. Páginas Azuis. p.6-7.
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