Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A mercantilização da Medicina modificou para
pior a relação médico-paciente. Antes, na maioria das vezes, respeitosa e de
confiança tornou-se uma relação de desconfiança. O médico passou a ser chamado
de prestador de serviços, a sua área de labor reputada como mercado, o paciente
foi cognominado de usuário e os contratos que refletem as relações dos
profissionais da medicina com intermediadores receberam a alcunha de pacotes;
escreve o médico Carlos Vital Tavares Corrêa Lima, presidente do Conselho
Federal de Medicina (CFM) publicada na edição nº 246 do Jornal Medicina (18 de
setembro de 2015).
O pensamento do Mercado (Planos de Saúde) não
leva em conta ou omite o lucro que obtêm na cobertura de seus segurados mais
jovens. Esses acumulam anos e anos de contribuição e dão lucro porque as
despesas com a saúde são mínimas. Os cálculos atuariais dos Planos de Saúde
(permitam-me relembrar o significado da palavra atuarial: a parte da
estatística que investiga problemas relacionados com a teoria e o cálculo de
seguros numa coletividade) não levam em conta os lucros passados. Concentram-se
apenas sobre os gastos com a saúde dos idosos, que aumenta seus custos
operacionais por razões obvias. E divulgam ainda que o custo médico-hospitalar
sobe muito mais que a inflação. Viver mais passou a ser uma das razões invocadas
para que seus prêmios cheguem a valores estratosféricos para os segurados que
ultrapassam a idade de 60 anos. Tais
valores aumentam sempre, a não ser que o idoso venha a falecer subitamente:
aposentado atropelado e morto na via pública ou eletrocutado por um poste de
luz, morto por infarto fulminante, etc. etc. Esquecem-se dos montantes
recebidos ao longo da vida do segurado e seus CEOs são doutores na aplicação
financeira desse dinheiro pago antes dos 60 anos. Daí começarem a aparecer
cursos especializados para transformar médicos em empreendedores. Por exemplo,
o curso Passos para Medicina de Sucesso e Panorama do Mercado Atual (2017)
apregoa: “Ser funcionário é bem diferente de ser dono de
consultório ou clínica. Na essência o médico é um empreendedor em potencial.
Somos treinados para ser funcionários, o que limita infinitas possibilidades de
atuação e criação. Para ter reconhecimento no mercado não basta saber só
medicina. Falarei o que não nos ensinam em 6 anos de faculdade.” Conferir em: http://thaliamaia.com.br/dicas-de-saude/curso-online-passos-para-medicina-de-sucesso-e-panorama-do-mercado-atual-2017/.
E como perguntar não ofende, onde anda o
juramento que os formandos de Medicina tradicionalmente proferem na colação de
grau?
Não sei como avaliar a execução desse juramento Hipocrático pelos meus
novos colegas!
Somente me resta recorrer ao sábio Millôr Fernandes que sentenciou
sobre hipocrisia: “Um sujeito realmente sincero vive sempre em pânico que a
qualquer momento descubram o hipócrita que ele é”.
Quebrar o juramento é como negociar a própria honra.
Acredito eu.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES). Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
Nenhum comentário:
Postar um comentário