quarta-feira, 6 de novembro de 2019

A MERCANTILIZAÇÃO DA MEDICINA (Hipocrisia)


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A mercantilização da Medicina modificou para pior a relação médico-paciente. Antes, na maioria das vezes, respeitosa e de confiança tornou-se uma relação de desconfiança. O médico passou a ser chamado de prestador de serviços, a sua área de labor reputada como mercado, o paciente foi cognominado de usuário e os contratos que refletem as relações dos profissionais da medicina com intermediadores receberam a alcunha de pacotes; escreve o médico Carlos Vital Tavares Corrêa Lima, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) publicada na edição nº 246 do Jornal Medicina (18 de setembro de 2015).
O pensamento do Mercado (Planos de Saúde) não leva em conta ou omite o lucro que obtêm na cobertura de seus segurados mais jovens. Esses acumulam anos e anos de contribuição e dão lucro porque as despesas com a saúde são mínimas. Os cálculos atuariais dos Planos de Saúde (permitam-me relembrar o significado da palavra atuarial: a parte da estatística que investiga problemas relacionados com a teoria e o cálculo de seguros numa coletividade) não levam em conta os lucros passados. Concentram-se apenas sobre os gastos com a saúde dos idosos, que aumenta seus custos operacionais por razões obvias. E divulgam ainda que o custo médico-hospitalar sobe muito mais que a inflação. Viver mais passou a ser uma das razões invocadas para que seus prêmios cheguem a valores estratosféricos para os segurados que ultrapassam a idade de 60 anos.  Tais valores aumentam sempre, a não ser que o idoso venha a falecer subitamente: aposentado atropelado e morto na via pública ou eletrocutado por um poste de luz, morto por infarto fulminante, etc. etc. Esquecem-se dos montantes recebidos ao longo da vida do segurado e seus CEOs são doutores na aplicação financeira desse dinheiro pago antes dos 60 anos. Daí começarem a aparecer cursos especializados para transformar médicos em empreendedores. Por exemplo, o curso Passos para Medicina de Sucesso e Panorama do Mercado Atual (2017) apregoa: “Ser funcionário é bem diferente de ser dono de consultório ou clínica. Na essência o médico é um empreendedor em potencial. Somos treinados para ser funcionários, o que limita infinitas possibilidades de atuação e criação. Para ter reconhecimento no mercado não basta saber só medicina. Falarei o que não nos ensinam em 6 anos de faculdade.” Conferir em: http://thaliamaia.com.br/dicas-de-saude/curso-online-passos-para-medicina-de-sucesso-e-panorama-do-mercado-atual-2017/.
E como perguntar não ofende, onde anda o juramento que os formandos de Medicina tradicionalmente proferem na colação de grau?
Não sei como avaliar a execução desse juramento Hipocrático pelos meus novos colegas! 
Somente me resta recorrer ao sábio Millôr Fernandes que sentenciou sobre hipocrisia: “Um sujeito realmente sincero vive sempre em pânico que a qualquer momento descubram o hipócrita que ele é”.
Quebrar o juramento é como negociar a própria honra.
Acredito eu.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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