sexta-feira, 8 de novembro de 2019

POR QUE RUA PAULA NEY?


Por Sânzio de Azevedo (*)

De onde o nosso poeta teria tirado essa alegria em um livro de final tão triste como Iracema, de José de Alencar?

Que Paula Ney era boêmio, muita gente sabe. E talvez por isso um amigo me perguntou se era justo que houvesse em Fortaleza uma rua com seu nome.
Francisco de Paula Ney, nascido em Fortaleza em 1858 e falecido no Rio de Janeiro em 1897, frequentou o Curso de Medicina na Bahia, mas logo o abandonou, indo ser jornalista na então Capital Federal, sendo também amanuense da Diretoria de Saúde Pública.
Escreveu vários poemas, sendo o mais famoso o soneto “Fortaleza”, cuja primeira estrofe diz: “Ao longe, em brancas praias embalada / Pelas ondas azuis dos verdes mares, / A Fortaleza, a loura desposada / Do sol, dormita à sombra dos palmares.” São belos os tercetos: “Lá canta em cada ramo um passarinho, / Há pipilos de amor em cada ninho, / Na solidão dos vastos matagais. // É minha terra, a terra de Iracema, / O decantado, esplêndido poema / De alegria e beleza universais.”
De onde o nosso poeta teria tirado essa alegria em um livro de final tão triste como Iracema, de José de Alencar?
Deixou outros poemas, como “Adeus”, que figura na 2ª edição dos Sonetos Brasileiros (1916), de Laudelino Freire: “Voa, minh’alma, voa pelos ares, / Como um trapo de nuvem flutuante; / Vai, perdida, sozinha e soluçante, / Distende as asas tuas sobre os mares!
Mas o que fazia Paula Ney mais admirado era a sua vocação de puro orador abolicionista, bem como suas tiradas humorísticas.
Em A Boêmia do meu tempo (1944), Leôncio Correia revela: “Jamais em minha vida conheci talento verbal mais espontâneo nem mais encantador, frase mais pronta, palavra mais opulenta.
Raimundo de Menezes, no seu A Vida boêmia de Paula Ney (1944), conta que, na Bahia, brilhava a beleza da atriz Volpine, e um tal Pedroso, apaixonado, declamou: “Pérolas de ouro... / Brilhantes de marfim.../ Oh! Sim! / O amor não se define! / Adeus, Volpine!” Diante de tanta asneira, Ney subiu a uma cadeira e gritou: “Maionese de tutu... / Bacalhoada de feijão! / Oh! Não! / A vida é mesmo um gozo! / Adeus, Pedroso!
Coelho Neto, um dos grandes escritores da época, publicaria em 1929 um livro inteiramente sobre o boêmio, Fogo Fátuo, que traz esta dedicatória: “À memória de Paula Ney, o dissipador de gênio. C. N.” Logo na página seguinte, vem esta frase: “Quem o conheceu reconhecê-lo-á.
Paula Ney merecia mesmo uma rua com seu nome na cidade em que nasceu.
(*) Doutor em Letras pela UFRJ. Membro da Academia Cearense de Letras (ACL)
Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/09/2017. Opinião. p.25.

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