Por Sânzio de Azevedo (*)
De onde o nosso poeta teria tirado essa alegria em um livro de final tão
triste como Iracema, de José de Alencar?
Que Paula Ney era boêmio, muita gente sabe. E
talvez por isso um amigo me perguntou se era justo que houvesse em Fortaleza
uma rua com seu nome.
Francisco de Paula Ney, nascido em Fortaleza em 1858 e
falecido no Rio de Janeiro em 1897, frequentou o Curso de Medicina na Bahia,
mas logo o abandonou, indo ser jornalista na então Capital Federal, sendo também
amanuense da Diretoria de Saúde Pública.
Escreveu vários poemas, sendo o mais famoso o soneto “Fortaleza”, cuja
primeira estrofe diz: “Ao longe, em brancas
praias embalada / Pelas ondas azuis dos verdes mares, / A Fortaleza, a loura
desposada / Do sol, dormita à sombra dos palmares.” São belos os tercetos: “Lá
canta em cada ramo um passarinho, / Há pipilos de amor em cada ninho, / Na
solidão dos vastos matagais. // É minha terra, a terra de Iracema, / O
decantado, esplêndido poema / De alegria e beleza universais.”
De onde o nosso poeta teria tirado essa alegria em um
livro de final tão triste como Iracema, de José de Alencar?
Deixou outros poemas, como “Adeus”, que figura na
2ª edição dos Sonetos Brasileiros (1916), de Laudelino Freire: “Voa, minh’alma, voa pelos ares, / Como um trapo de nuvem
flutuante; / Vai, perdida, sozinha e soluçante, / Distende as asas tuas sobre
os mares!”
Mas o que fazia Paula Ney mais admirado era a sua vocação
de puro orador abolicionista, bem como suas tiradas humorísticas.
Em A Boêmia do meu tempo (1944), Leôncio Correia revela:
“Jamais em minha vida conheci talento verbal
mais espontâneo nem mais encantador, frase mais pronta, palavra mais opulenta.”
Raimundo de Menezes, no seu A Vida boêmia de Paula Ney
(1944), conta que, na Bahia, brilhava a beleza da atriz Volpine, e um tal
Pedroso, apaixonado, declamou: “Pérolas de
ouro... / Brilhantes de marfim.../ Oh! Sim! / O amor não se define! / Adeus,
Volpine!” Diante de tanta asneira, Ney subiu a uma cadeira e gritou: “Maionese de
tutu... / Bacalhoada de feijão! / Oh! Não! / A vida é mesmo um gozo! / Adeus,
Pedroso!”
Coelho Neto, um dos grandes escritores da época,
publicaria em 1929 um livro inteiramente sobre o boêmio, Fogo Fátuo, que traz
esta dedicatória: “À memória de Paula Ney, o
dissipador de gênio. C. N.” Logo na página
seguinte, vem esta frase: “Quem o conheceu
reconhecê-lo-á.”
Paula Ney merecia mesmo uma rua com seu nome na cidade em
que nasceu.
(*) Doutor em Letras pela UFRJ. Membro da Academia Cearense de Letras (ACL)
Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/09/2017. Opinião. p.25.
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