sexta-feira, 1 de novembro de 2019

AOS VIVOS: " Foi sem nunca ter sido..."


Inegavelmente, um dos maiores jogadores de futebol que o estado do Ceará viu em campo: Clodoaldo, "O Capetinha". Habilidoso todo. Quem não lembra do golaço contra o Criciúma, cerca de 15 atrás - "matando a bola com categoria e chutando inapelável contra o gol de Fabiano". Impagável Clodoaldo, segundo maior goleador do Leão - o primeiro é Croinha, que vi treinar no Pici há um bocado de tempo.
Conheci um camarada acolá que só queria ser a grande estrela do Tricolor nascida no Ipu. Um outro "Clodoaldo", apelido botado em João Clodomir. 30 anos de idade, se enfeitava de jogador, tinha corpão (enganoso) de jogador, pose de jogador, vivia no meio de outros grandes do futebol. Algo assemelhado ao lendário Carlos Kaiser, que por anos conseguiu ludibriar diversos clubes brasileiros - "o maior jogador que nunca jogou bola". Assim era Clodomir, aquele que só queria ser o Capetinha.
Esse aqui, o "Clodoaldo" depois da gripe, também canhoto, passou por quatro times da cidade onde morava, sempre sem ir a campo, vogando. Desculpas, as mais inverossímeis. Treinamento, só físico. E olhe, olhe! Logo uma torção no tornozelo tirava ele de tempo. Chegou a "desmentir" a orelha após sessão de exercícios abdominais. Fraturou a panturrilha do sovaco fazendo apoio de frente. Nunca, pois, sequer um cabecear numa melancia de vez.
Mas andou se apaixonando e a máscara caiu. Para fazer uma média com a moça enamorada, resolveu entrar em campo e mostrar as habilidades que vendia como se existissem. Avisou ao treinador que adentraria ao gramado se e somente se fosse para bater pênalti, não estiver chovendo, fosse uma segunda-feira de manhãzinha, o dono da farmácia estivesse com a luz em dia e o Papa se pronunciasse.
João Clodomir é obrigado a jogar naquele dia. Todas as condições, enfim, satisfeitas. 45 minutos do segundo tempo, pênalti a favor de sua equipe; não havia escapatória. Treinador convoca o capeta de araque para meter a bola no cão da rede contrária. A namorada exultava. Era o gol do casamento! E lá está o enrolão frente a frente com pega-bola adversário. Tremia que só vara verde. Torcida repetindo o que a galera tricolor, tempos atrás, dizia do verdadeiro e genial Clodoaldo:
- Uh terror, Clodoaldo é matador!!!
Pra começo de conversa, ficou paralisado diante da bola por cinco minutos, com olhar fixado num urubu na palha dum coqueiro a 200 metros dali. Feito "estauta", a ponto de o juiz chegar junto e saber o que acontecia. "Clodoaldo" silente, cai durinho pra trás. Massagista no socorro ao loroteiro, presta socorros como se fosse ali um Messi. Pergunta se está tudo bem. O craque acena "sim". Levanta-se "trôpo". A criatura dele, da torcida, manda beijos e incita: "Vai, amor, fatura esse gol! Mete!"
O negócio agora vai. "Clodoaldo" toma distância. Ao fazer carreira pra chutar, empurra o pau a chorar. Recomposto, urina-se todo, berra e chuta... Ou melhor, tenta chutar. O sujeito cai e quebra o ombro, lasca a cabeça numa pedra solta em campo e sente dores medonhas num dentiqueiro. Acima de tudo um forte, recupera o fôlego e finalmente lasca o "tirombaço". Ocorre que a bola desgovernada bate na trave, resvala no goleiro, acerta um poste, quica na cabeça do gandula, passa de raspão no carrinho de picolé e finda entrando no seu próprio gol. 1X0 pro time contrário. Gol contra de Clodomir, vulgo "Clodoaldo".
Levou uma mão de sabacu dos colegas de equipe, perdeu a mulher pro treinador, ficou mental do juízo. Tá vendendo din-din na Praça da Estação.
Fonte: O POVO, de 14/12/2018. Coluna “Aos Vivos”, de Tarcísio Matos. p.2.

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