quarta-feira, 13 de novembro de 2019

A PALAVRA CAMARADA: da caserna ao partido


Por Luciano Maia (*)

O termo companheiro, pela própria etimologia, nos remete ao aconchego, alguém com quem se reparte o pão.

Assim como a palavra companheiro, também o termo camarada sujeitou-se a desvios, o longo de sua trajetória. Camarada tem origem no espanhol quinhentista e designava os soldados e oficiais que dividiam o mesmo aposento no quartel, a mesma câmara. O camarada estava tão ligado aos seus iguais que regularmente era o oficial (geralmente um capitão) sob cuja responsabilidade se encontravam os seus soldados, o incumbido de preparar-lhes o testamento dos pertences, em caso de morte em batalha. Por influência da infantaria espanhola na guerra dos Países Baixos, a palavra foi incorporada aos manuais de outros exércitos europeus para, com o tempo, ser estendida a círculos mais largos, até chegar, com a revolução russa de 1917, a designar o correligionário bolchevique.
Foi tão contagiante o uso de camarada no período pós-revolução comunista no leste europeu, que praticamente todos os países da região passaram a designar os membros dos seus respectivos partidos comunistas por este termo, ora com o uso do original espanhol adaptado, ora com a tradução russa (tovarisch). Tornou-se de uso frequente entre os revolucionários comunistas daquela época, chegando a substituir senhor, simplesmente. Dizia-se camarada ministro, camarada deputado e até camarada presidente!
Registre-se que, quem sabe pelo seu “pecado original” (com o tempo, os intelectuais comunistas passaram a abominar os militares!), o uso de camarada foi-se restringindo e, após a segunda guerra mundial, com a demonstração (e fracasso) do tremendo poderio militar alemão, em tese, anticomunista, a palavra foi perdendo o seu prestígio entre os círculos menos ortodoxos, quanto à ideologia marxista-leninista-stalinista.
Mas não esqueçamos que foram os soviéticos os principais responsáveis pela difusão do termo como sinônimo de correligionário de ideologia, ou seja, de comunista.
Diferentemente de companheiro, o termo camarada não designou, primordialmente, alguém merecedor de afeto, mas pessoa com quem se tinha o compromisso da lealdade e, até certo ponto, de uma firme amizade.
O termo companheiro, pela própria etimologia, nos remete ao aconchego e ao compartilhamento, alguém com quem se reparte o pão, ou seja, o sustento. O seu uso não será nunca de todo conseguido por nenhuma ideologia; será sempre melhor atribuído aos casais mais modestos, os mais afeitos à verdadeira comunhão de vida. E o termo camarada, tão abusivamente utilizado ideologicamente, também não perderá a sua feição de solidariedade, necessária e firme.
(*) Membro da Academia Cearense de Letras (ACL)
Fonte: Publicado In: O Povo, de 3/10/2017. Opinião. p.11.

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