Por Luciano Maia (*)
O termo companheiro, pela própria etimologia, nos remete ao aconchego,
alguém com quem se reparte o pão.
Assim como a palavra companheiro, também o termo camarada
sujeitou-se a desvios, o longo de sua trajetória. Camarada tem origem no
espanhol quinhentista e designava os soldados e oficiais que dividiam o mesmo
aposento no quartel, a mesma câmara. O camarada estava tão ligado aos seus
iguais que regularmente era o oficial (geralmente um capitão) sob cuja
responsabilidade se encontravam os seus soldados, o incumbido de preparar-lhes
o testamento dos pertences, em caso de morte em batalha. Por influência da
infantaria espanhola na guerra dos Países Baixos, a palavra foi incorporada aos
manuais de outros exércitos europeus para, com o tempo, ser estendida a
círculos mais largos, até chegar, com a revolução russa de 1917, a designar o
correligionário bolchevique.
Foi tão contagiante o uso de camarada no período
pós-revolução comunista no leste europeu, que praticamente todos os países da
região passaram a designar os membros dos seus respectivos partidos comunistas
por este termo, ora com o uso do original espanhol adaptado, ora com a tradução
russa (tovarisch). Tornou-se de uso frequente entre os revolucionários
comunistas daquela época, chegando a substituir senhor, simplesmente. Dizia-se
camarada ministro, camarada deputado e até camarada presidente!
Registre-se que, quem sabe pelo seu “pecado original”
(com o tempo, os intelectuais comunistas passaram a abominar os militares!), o
uso de camarada foi-se restringindo e, após a segunda guerra mundial, com a
demonstração (e fracasso) do tremendo poderio militar alemão, em tese,
anticomunista, a palavra foi perdendo o seu prestígio entre os círculos menos
ortodoxos, quanto à ideologia marxista-leninista-stalinista.
Mas não esqueçamos que foram os soviéticos os principais
responsáveis pela difusão do termo como sinônimo de correligionário de
ideologia, ou seja, de comunista.
Diferentemente de companheiro, o termo camarada não
designou, primordialmente, alguém merecedor de afeto, mas pessoa com quem se
tinha o compromisso da lealdade e, até certo ponto, de uma firme amizade.
O termo companheiro, pela própria etimologia, nos remete
ao aconchego e ao compartilhamento, alguém com quem se reparte o pão, ou seja,
o sustento. O seu uso não será nunca de todo conseguido por nenhuma ideologia;
será sempre melhor atribuído aos casais mais modestos, os mais afeitos à
verdadeira comunhão de vida. E o termo camarada, tão abusivamente utilizado
ideologicamente, também não perderá a sua feição de solidariedade, necessária e
firme.
(*) Membro da
Academia Cearense de Letras (ACL)
Fonte: Publicado In: O Povo, de 3/10/2017. Opinião. p.11.
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