A
coluna, hoje, é uma colcha de retalhos com situações vividas em minha vida
profissional. Registro momentos hilários de tempos idos.
Franco Montoro
No
universo político, que frequento desde os idos de 1980, são muitas as passagens
interessantes. Pinço, aqui, uma historinha que envolve o saudoso ex-governador,
ex-senador e paladino de nossa democracia, Franco Montoro.
E o Agrário?
Depois
de deixar a esfera governativa e parlamentar, Franco Montoro passou a se
dedicar ao Instituto Latino-Americano - ILAM. Na condição de presidente desta
entidade, foi a um almoço que organizei com um pequeno grupo de professores da
USP no restaurante do campus. O ex-governador, como se sabe, registrava
passagens de dislexia, momentos em que confundia nomes, alhos com bugalhos,
motivando risos em cerimônias. A conversa fluía bem, versando sobre os mais
diferentes problemas do país. A certa altura, ele se surpreendeu ao saber que
este escriba era potiguar e parente de queridos amigos dele e de dona Lucy
Montoro. De repente, lá vem a pergunta:
-
Gaudêncio, como está o Agrário?
-
Agrário, Agrário? Não sei quem é, governador.
Passo a
lupa na mente e lamento ignorar a identidade da figura. Mudamos de assunto. Mas
o Agrário continuava a me coçar a cabeça. De repente, Eureka! Agrário? Não
seria o Urbano? Indago:
-
Governador, voltando ao Agrário, será que o senhor não confundiu o Agrário com
o Urbano?
- Ah,
sim, é claro, é claro. Desculpe. Como vai o Urbano?
Francisco
Urbano era presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
- CONTAG. Um potiguar muito conhecido nos universos sindicalista e político. A
dislexia havia intercambiado o espaço rural com a geografia urbana. Franco
Montoro, exemplo de honradez, dignidade, seriedade, civismo, independência. Faz
muita falta nesses tempos de lamaçal político.
Ramez Tebet - O besourão
A
historinha me foi contada pelo ex-senador Ramez Tebet, saudoso amigo. Por
ocasião da criação do Estado do MS, em 1979, a população de Campo Grande ficava
assombrada com a caravana dos 17 grandes carrões pretos dos deputados estaduais
que paravam diante da Assembleia Legislativa. Os carros ganharam logo o nome de
"besourão" e, ao passarem pelas ruas, as pessoas logo faziam o sinal
da cruz, na tentativa de afastar o medo daqueles carros que mais pareciam
transporte de defunto.
Tebet na direção
Ninguém
se atrevia a andar num carro daqueles. Até que um dia, ao comparecer ao velório
de um correligionário, numa cidade do interior, dirigindo um desses carros, o
então deputado Ramez Tebet teve que atender ao pedido da família do defunto.
Queriam que o defunto fosse transportado naquele carro. Nessa hora, não dá para
negar. E lá se vai o deputado carregando o caixão de defunto em seu
"besourão". A história se espalhou por todo o Estado. Assim a fama
negativa do carrão preto foi dissipada. O "besourão" passou a ser
visto com outros olhos. A boa fama só veio, por incrível que pareça, depois de
Ramez ter conduzido um defunto.
Roberto Campos
Roberto
Campos era ministro do Planejamento do governo Castelo Branco. Chegando em
Recife, deu uma entrevista coletiva na sede da Sudene, na avenida Dantas
Barreto. Na época, os recursos que vinham para o Nordeste eram minguados. E
distribuídos como migalhas aos Estados. Ainda foca (iniciante no jornalismo,
como repórter do Jornal do Brasil), fui para a entrevista. Após abrangente
explanação sobre os programas da administração Federal para o Nordeste, tive a
ousadia de fazer a primeira pergunta:
-
Ministro, o senhor não acha que a pulverização de verbas para a região
nordestina não acaba sendo perniciosa? Não seria mais eficaz um programa com
prioridades e aplicação de recursos?
Campos,
ex-seminarista como eu, devolve a pergunta:
- O que
o jovem entende por pulverização?
Embasbacado,
sem esperar pela contra pergunta, tentei responder, lembrando a fragmentação de
verbas; quase me engasguei. Campos era um mestre na arte de argumentar.
Tasso Jereissati
Cheguei
em Fortaleza para ajudar na campanha de Tasso em 24 de junho de 1986, noite de
São João. O candidato fora convidado pelo deputado estadual do MDB, Barros
Pinho, para uma festa junina em um bairro popular da capital. Seria sua
primeira experiência no meio do povo. Sua tarefa: presidir um júri para
julgamento de fantasias juninas.
Um peixe fora d'água
Ficou
completamente deslocado, um peixe fora d'água. Chega ao ambiente e sob conselho
deste escriba, vai, de mesa em mesa, apresentando-se aos presentes. Começa a
presidir o evento. Encabulado, não sabe o que fazer. Enrola-se. Grande
dificuldade de comunicação. Um desastre. Só era conhecido no bairro de classe
média alta, Aldeota. Tinha menos de 2% de intenção de voto. Depois do evento,
angustiado, ele, Sérgio Machado, na época seu braço direito, e este escriba
dirigem-se a um restaurante na praia para degustar uma lagosta. Sob o efeito de
um uísque tranquilizante, Tasso desabafa: "desisto, amigos; se política
for isso, assistir a batizado, casamento, velório, desfile infantil em festa
junina, não contem comigo. Tô fora". Transtornado. Insatisfeito. No Hotel
Esplanada, numa máquina Lettera 22, no dia seguinte, esbocei o planejamento de
sua campanha. Fui à Brasília para a MPM produzir os canais de propaganda, a
partir do briefing que fiz. Esperei pelo trabalho. Volto à Fortaleza para
apresentar o material. O moderno contra o arcaico. O novo contra os coronéis.
Tasso gostou da ideia, mas não dos layouts da MPM. A agência Propeg, de
Fernando Barros e Rodrigo Menezes, instalada na Bahia, iria produzir a papelada
da campanha. Geraldo Walter foi convidado a comandar. Tasso deu um banho nos
três coronéis que comandavam a política cearense: Virgílio Távora, César Cals e
Adauto Bezerra.
Alberto Silva
Alberto
Silva dizia que a alma piauiense sofria de complexo de inferioridade. Na
Sudene, em Recife, ouvi uma interpretação do então governador do MDB. Contou
ele:
- Um
interlocutor pergunta a outro - O senhor é de onde?
Resposta
atravessada: sou do Piauí e daí? E já mostrava os punhos fechados para esmurrar
o outro.
Michel Temer
Em 1986,
fui convidado para fazer uma exposição sobre marketing político, com foco na
eleição de deputados. O grupo que me convidou começava a organizar a campanha
do professor renomado, ex-procurador do Estado de São Paulo, autor de livros
consagrados de Direito Constitucional: Michel Temer. A palestra ocorreu em um
prédio da av. Paulista, onde Michel tinha um escritório juntamente com outros
afamados nomes da advocacia, como o prof. Celso Antônio Bandeira de Melo, o
advogado especialista em Direito Eleitoral, Antônio Carlos Mendes. O grupo
contava ainda com a participação do renomado professor de Direito, Ataliba
Nogueira. Fiz a palestra para um grupo de 30 pessoas. Um participativo debate
sobre os desafios a serem enfrentados pelo então candidato a deputado Federal.
A partir da palestra, passei a prestar consultoria ao professor.
Bastidores
Michel
Temer foi três vezes presidente da Câmara, credenciando-se como um dos mais
respeitados articuladores da política e nome respeitado pelos pares. Como
presidente da República, em pouco tempo, conseguiu implantar uma agenda
avançada, desenvolvimentista. Dei conselhos, fui ouvido e ouvi muito. Há
episódios que não posso deixar de lembrar.
Lula
Lula
nunca foi próximo a Michel. Mantinham uma relação protocolar. Certa vez, os
dois subiram ao palanque, em Natal/RN, para um comício de apoio à candidata
Fátima Bezerra (PT) ao governo do Estado. Fátima não ganhou naquele ano, mas
hoje é governadora em segundo mandato. Viajaram juntos de volta a São Paulo.
Foi uma viagem, por assim dizer, de confraternização.
Papo amigável
O papo
foi de aproximação, de expressões de respeito mútuo. Michel: "eu sei,
presidente, que falam mal de mim para o senhor, sei que o senhor tem restrições
a minha pessoa" ... patati-patatá ... Lula: "Michel, realmente temos
pontos de vista diferentes sobre muita coisa, há pessoas que tentam nos
afastar, mas vamos abrir um canal de comunicação para evitar nosso
distanciamento"... patati-patatá. Lula se serviu de algumas doses de
uísque. Michel, que não é de beber, conformando-se com uma ou outra taça de vinho,
ou um licor, teve de acompanhar Lula na sequência das doses. Saíram os dois
abraçados na chegada em Congonhas. Com a amizade uiscada. Os tempos mudam.
Bonecos de Olinda, prazer!
Certa
feita, acompanhei Michel ao Recife para uma visita ao então governador de PE,
Jarbas Vasconcelos. Fazia parte da liturgia do presidente do PMDB ouvir as
lideranças do partido, ainda mais se tratando de Jarbas Vasconcelos, um perfil
de honra, que realizou grande trabalho pelo partido, desde os tempos em que o
presidiu. Chegamos já tardinha, com o sol se pondo. A casa do governador
parecia um museu a céu aberto. Pela coleção de objetos, o artesanato
pernambucano se fazia presente nos cômodos. Ficamos na sala de recepção, à
entrada. Os raios do pôr do sol abriam claridade para uma sala contígua, onde
em uma mesa de jantar, convivas pareciam se regalar com os acepipes. Fiquei
curioso. Michel, muito educado, pediu licença de Jarbas, levantou-se e se dirigiu
aos convivas, querendo cumprimentar cada um. Mão estendida para o primeiro,
veio o susto. Eram bonecos de Olinda, em tamanho natural, sentados à mesa e
diante de pratos e talheres. Não conseguimos conter o riso.
Freyre com y
O
Americano Batista era um dos afamados colégios de Recife, dirigido por
evangélicos batistas. Cursei no CAB os anos do Científico, onde fundei o
Diretório Acadêmico, criei um jornal e fui o orador da turma na conclusão do
curso. Escolhemos como paraninfo um ex-aluno do Colégio: Gilberto Freyre. Fomos
entregar o convite a ele no solar de Apipucos, onde dona Madalena, sua esposa,
nos ofereceu sucos e licores. O detalhe que alguns dos leitores devem ter
notado é a grafia: Freyre com Y. Pois bem, eu havia grafado no convite Freire
com I. Momento constrangedor. O professor viu que o nome dele estava com grafia
errada e me devolveu o envelope com a observação:
- Meu
filho, faça a correção. Meu Freyre é com Y. Meu pai, Alfredo, quando recebia
correspondência com seu sobrenome errado, nem abria a carta. Devolvia. De modo
que terei o prazer de recebê-los quando fizerem a correção.
Essa
lição mexeu com minha cuca. Até hoje, confiro as grafias. Temo passar pelo
puxão de orelhas do professor Gilberto Freyre com Y, que fez belíssima peça
oratória no dia da formatura.
Fonte: Gaudêncio Torquato (GT Marketing Comunicação).
https://www.migalhas.com.br/coluna/porandubas-politicas/409122/porandubas-n-851