Por Izabel Gurgel (*)
"Não derramei uma lágrima."
Ouvia, então, uma senhora que faria 80 anos naqueles dias. Ela me contava da
morte do marido. "Já havia chorado tudo por ele, antes dos meus 30
anos".
"Pedro Lírio dos Anjos nasceu de sete
meses". Encontro a anotação em uma caderneta. Talvez eu tenha anotado pela
beleza do nome, um poema pronto, como digo sobre o nome Plácido Cidade Nuvens.
Plácido Cidade Nuvens criou o Museu de
Paleontologia de Santana do Cariri, o museu que anos depois levaria seu nome. O
museu nos lembra como as pedras podem falar. As pedras cantam.
Entramos na mata para ver a floração de
batiputá no território Tremembé da beira do rio Mundaú, em Itapipoca. Um
morador, recém-iniciado na pesquisa do fruto, ia à frente. "Meu avô diz
pra conversar com as árvores quando temos algum problema, algo pra resolver.
Ele diz que elas vivem há muito tempo, sabem muito mais do que a gente".
"Quem vê coisa de outro mundo, as
carnes não se unem mais". Ouvi de um senhor de muito chão nos pés e céu
nos olhos. Tangeu gado, morou fora do Ceará. Em São Paulo, trabalhou em
construção, 35º andar. "Lá de cima, as pessoas no chão parecem cabeça de
prego, umas moscas". Cruzou rio em cheia para salvar vida, socorrendo
vizinhos doentes. Disse-nos que conhece a Serra do Nascente 'grota por grota'.
De travessias feitas à noite e durante o dia, no tudo bem e no aperreio, sob
sol, sob chuva. Eu o conheci depois de cego. Ele no alpendre de casa,
movendo-se em direção à serra quando contava do ir e vir, desenhando no ar, pra
gente ver o território tão bem apreciado e por ele incorporado. "Posso ir
lá a qualquer hora". Range a porta, longe bate chocalho de gado, à frente
da casa passa uma moto, anotei.
Ouvi de um professor de espanhol coisas tão
bonitas da vida dele. Anotei sobre uma professora do primário, então com mais
de 100 anos. "Até caducar era bonito. Ela dizia que a casa em que vivia
era um presente que havia recebido. E era. Mas havia acontecido há mais de 40
anos. Ela trazia o presente do passado para o presente". O que é, é agora.
Da professora que criou e mantém aceso o
Iluminuras - Literatura e Bordado, projeto de extensão junto à Universidade
Federal do Ceará (UFC), escutei sobre a recomendação que lhe era feita quando
criança, no interior do Ceará, a caminho dos banhos. Para dar uma batidinha na
água, acordando a água. A pessoa avisando que estava ali, assim um "ô de
casa", nas adjacências de pedir licença, anunciar-se. Era banho de açude,
Profa. Neuma?
Dona Nilce abria cocada quente na pia de
cimento, molhada. Cortava com peixeira. Era da Serra do Cotovelo, Jardim, entre
Ceará e Pernambuco. Morava em Barbalha, onde mora Indra, a neta que me contou
da cocada quente na água fresca.
Dedico o arrazoada de hoje a quem, como eu,
tem gosto em ouvir dizer.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 20/07/25. Vida & Arte, p.2.
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