Por Totonho
Laprovitera , arquiteto e escritor cearense
A tarde pegava fogo, e Valtinho, abancado num tamborete da
bodega do Roseno, no Campo do América, reclamava do calor medonho a derreter a
paciência dos ditosos. Bolinha, com seu fiel radinho ABC Voz de Ouro (com seis
faixas de ondas curtas), pontuou: “Ôxente, só escapa quem tiver fé... ou
ventilador ligado no três!”
Roseno, disse que tinha fé, mas o ventilador estava
quebrado. Foi quando Valtinho destilou uma ideia: fazer picolé de cachaça.
Acertando os ponteiros de seu relógio Citizen Automático, Bolinha se abriu:
“Vai refrescar ou incendiar a língua do povo?” Valtinho respondeu entusiasmado:
“Os dois! Um gelado que esquenta o tutano e o vendaval do juízo final!”
Animado, como mestre da boemia, Valtinho ditou a receita
oficial: “Como advogo, evidentemente, recomendo observar o seguinte
procedimento para a elaboração do picolé de cachaça, com devida atenção às
proporções e ingredientes que garantem o equilíbrio entre frescor e pujança
alcoólica, deixando cautelas em suspenso até a completa solidificação.”
Para fazer esse doce gelado, misture a malvada com água de
coco ou suco de limão, para harmonizar o sabor e refrescar. Adoce com mel ou
rapadura e adicione pedaços de frutas como cajá, caju, abacaxi ou um pouco de
gengibre. Depois de misturado – sem provar antes da hora – ponha em formas de
gelo com palito e leve ao congelador por umas quatro horas. Pronto, sirva aos
amigos de copo e de cruz. Se a ressaca bater, um chá de boldo resolve. Abusemos
com moderação!”
Capote, desconfiado, mas já de olho grande, falou sério:
“Deve ficar bom misturado com abacatada. Mas se esse der certo, a gente
registra a patente!”
Quando saiu a primeira leva, Valtinho pegou um, levantou ao
céu como se fosse um punhal de cangaceiro e disse: “Brindemos à inventividade
nordestina! Eis o Picolé de Cachaça!”
Peru bicou o dele e fez careta: “Égua! Isso é beijo gelado
de mulher braba!” A gargalhada foi geral. Logo, a notícia correu e chegou gente
de todo tipo querendo experimentar. Um beato provou, benzeu-se três vezes e
pediu perdão. Um pedreiro comprou cinco, um para cada dia útil da semana. Já um
poeta bêbado chorou, comovido, dizendo que aquilo era “o extrato mais puro da
alma nordestina”.
No fim da tarde, com a bodega em festa, ninguém lembrava
mais do calor, nem dos boletos. Só se falava no tal picolé. E Valtinho,
sentindo-se pai da felicidade líquida em estado sólido, antes de pedir a
saideira, explicou: “Cachaça boa, meus amigos, refrigera o quengo e anima o
espírito! Mas bora ter cuidado, pois como vovó dizia, só quem pode com a
cachaça é a garrafa e vez por outra, se quebra!”
Fonte: Internet (circulando por e-mail e i-phones).
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