Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
… Agenciador de enterros; papa-defunto
Não gostei do término do meu último artigo intitulado Nacionalismo vacinal conferir em
https://go.shr.lc/2zvxj9H
Para uma pessoa ser enterrada, a família enfrenta muita burocracia.
Quanto mais tempo vivemos,
mais documentos colecionamos, pois, deles se pode um dia precisar. Prudência ao
morrer sem dar trabalho à família é uma lembrança que não esmaece, nunca.
Idosos, tenham vossas papeladas em dia.
Nos tempos em que eu exercia
a Medicina e dava plantão no Hospital Agamenon Magalhães, no Recife, com a mão
na massa ou na linha de frente, meu ofício e ganha-pão, assistia incrédulo como
é que os Papa-Defuntos adivinhavam a morte de um paciente numa enfermaria de
mais de 40 leitos, justo a morte do freguês da vez. Denominava-os Papa-Defuntos, estranhos personagens que ficavam rondando
até que o infeliz morria, logo que botavam nele aquele sinistro olhar.
Não adiantava o esforço
médico para tentar preservar a vida. O freguês estava condenado a morrer. O
féretro já estava encomendado e não havia quem desfizesse a demanda. Não
erravam uma, apesar de luta insana dos médicos, enfermeiras, técnicos, era
óbito garantido. Olhar de “papa-defuntos” é morte certa.
Naquele tempo nem existiam as
UTIS com paredes, separações ou vidraças. O pobre ou rico não morria como
agora, com o carinho familiar e cercado de uma parafernália de tubos,
engrenagens, aparelhos, transistores imensos. Mesmo os médicos e enfermeiros
treinados no uso dos equipamentos existentes não podiam chegar perto do doente,
quanto mais um familiar.
Mas os papa-defuntos estavam
por lá, seja na sala de espera das enfermarias ou por perto.
Como não sei, porém, reconheço
de longe um profissional do enterro: cara de defunto, paletó desbotado e puído,
e uma gravata sebosa. Sapato gasto por um sem número de meia solas. Meias
gastas e calças amarrotadas. Além do mais exalavam um cheiro de necrotério.
Não brigavam por defuntos e
dividiam o troféu de maneira justa. Jamais assisti, em minha longa vida de
médico, qualquer desavença ou a menor briga entre eles. Cada um ficava com o
seu, garantido.
… O
respeito com a família enlutada era grande e jamais faltavam com as condolências.
A paz começava a ser eterna. É assim que deveriam comportar-se os cientistas e
empresas que tratam de epidemias, produção de vacinas, medicamentos e outros
remédios (remédio é tudo aquilo que pode curar ou aliviar o sofrimento) e nisso
incluo os respiradores e similares…
Tomavam as providências
cartoriais e o que era seu estava garantido, o enterro era pago primeiro pelo
IAPI (Instituto de Aposentarias e Pensões dos Industriários.), depois passou
para o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) e agora é pelo SUS
(Sistema Único de Saúde), que complicou as coisas. Quem morria no Hospital
Agamenon Magalhães pertencia ao “Instituti”
Para mim os “papas- defuntos”
podem até ter mudado de nome, mas, no meu coração, os sentimentos continuam os
mesmos: verdadeiros especialistas em enterrar defuntos.
Como sabiam o tamanho do
defunto, não sei. Mas o caixão chegava do tamanho exato do cliente. O respeito
com a família enlutada era grande e jamais faltavam com as condolências. A paz
começava a ser eterna.
É assim que deveriam
comportar-se os cientistas e empresas que tratam de epidemias, produção de
vacinas, medicamentos e outros remédios (remédio é tudo aquilo que pode curar
ou aliviar o sofrimento) e nisso incluo os respiradores e similares.
Agora estão brigando para ver
quem chega primeiro a uma vacina contra o COVID-19 e como vão distribui-la. Deus castiga,
cuidado.
Os “papa-defuntos” nunca brigavam, executavam seus trabalhos equanimemente
e com dignidade. Gente honesta cuja função era de providenciar o enterro de um
sofredor. Pertenciam esses papa-defuntos a empresas concorrentes, mas guardavam
e respeitavam a ética da vida. Porque os governos e grandes corporações não
fazem o mesmo com a produção e distribuição de vacinas?
Cuidado, Deus está vendo.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES) e da
Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford
(Grã-Bretanha).
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