sexta-feira, 19 de junho de 2020

AOS VIVOS: "A quizila de João Gagagagagagagago" ... e outros causos


A quizila de João Gagagagagagagago
Um dos maiores portadores de disfemia, conhecida popularmente como gagueira ou gaguez, foi o vaqueiro João Currum, pessoa amabilíssima, que fazia hora da própria tartamudez. Dava de dez a zero no antigo personagem gago do comediante José Vasconcelos. Disfêmico, tardíloquo, balbo (daí o verbo balbuciar), nosso João frescava consigo e com quem inventasse de gaguejar por perto. Celebérrimo pela incompletude das frases pronunciadas, ou que tentasse pronunciar. Tinha uma que era já o bordão:
- Currum quando acabar, currum quando acabar, currum quando acabar, seu Zé, que horas poderão serão?
- Quinquinquinquin pras sete, João!
Altamente contagiosa a gagueira de João. Sabedor desse poder de contaminar todo mundo quem o ouvisse, defendia tese própria com respeito ao distúrbio, especialmente o da mulher, Jalmirta (Gaguinha). Eu soube da teoria dele quando, ingenuamente, contei de recente estudo nos EUA sobre a origem do problema.
- Os americanos descobriram que a Área de Broca, parte do cérebro que transforma os pensamentos nos sons que saem da boca, recebe menos sangue nos gagos.
- Cô, cô, coisa nenhuma, dotô!
- Dizem que quanto menor é a irrigação da região responsável pela fala, maior a gagueira.
- Cun, cun, cunversa pra bô, bô, boi dormir!
Nem Freud explicaria melhor
Após uma hora de exposições, eu pude entender (traduzir) que, segundo João, "a gagueira é um entalo que sofre o já engasgado juízo da criatura nascida gaga. No caso de Jalmirta, resulta da ruma de coisas que ela vivencia simultaneamente naquele instante, e que tá no coração dela. A mente da minha mulher avua, tem domínio de tudo que ró, ró, rola, mas as pernas secas da fala não alcançam tamanha velocidade. Aí, bá, bá, basta tomar dô, dô, dois goles d'água e di, di, disimbuchar a frase todinha..."
Pedi exemplo, para tornar o bodejado compreensível. Apontando pra mulher, que absolutamente calada varria a cozinha, pensava no marido, conversava com a vizinha, botava cuidado nas panelas, dava de mamar, tangia o cachorro pro terreiro...
- Vê, vê, veja a Jalmirta. Fá, fá, faz de um tudo ao mesmo tempo e quer fá, fá, falar sobre cá, cá, cada coisa... Mas, mas, mas quedê poder? Tá, tá, tá entalada. Olha as vêa do pescoço dé, dé, dela!
- Trá, trá, traduzindo, João Currum!?!
- É, é, ela acumula as palavras que pen, pen, pensa. Quando sol, sol, soltar o verbo, sai de perto: vem tudo que tá, tá, tava na mente e na alma da bi, bi, bicinha!
- O que está pensando naquele momento, ela bota pra fora com dois goles de água?
- E né, né, né não?
Verdade verdadeira!
Dei dois goles de água pra Jalmirta. Ela desengasgou o verbo, empurrou a falar, intiriço à moda cantiga de grilo, num tirinete só. E vejam só o que havia no coração e na mente dela:
- Esse boca de chupar ovo! Tô cagando e andando pra tu, brancão! Cagão! E a égua dessa vivinha fuampa, cutruvia, véve costurando pra fora! E diz que é formada! Só se for em Ciências Ocultas e Letras Apagadas. Quando fala, a catinga sobe: a boca tem gosto de cacimba aposentada. Ora mais tá! E diz que é moça! Tá mais fácil emprenhar véa de 90 anos. Jararaca do rabo fino. Ora mais taí!
Fiquei todo errado. João não tinha onde enfiar a cabeça.
Fonte: O POVO, de 25/07/2019. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

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