sábado, 27 de junho de 2020

A ORIGEM DAS EPIDEMIAS


Por Ana Margarida Furtado Arruda Rosemberg (*)
Os humanos surgiram há cerca de 2,5 milhões de anos, na África Oriental, a partir dos Australopithecus, um gênero anterior de primatas. Por volta de 2 milhões de anos atrás, alguns desses seres se aventuraram em vastas áreas do Norte da África, da Europa e da Ásia. Os humanos da Europa e da Ásia Ocidental deram origem ao Homo neanderthalensis (neandertais). Os humanos das outras regiões da Ásia originaram o Homo erectus, que sobreviveu por quase 1,5 milhão de anos, sendo a espécie humana de maior duração. Segundo o historiador Yuval Noah Harari, em seu livro Sapiens, dificilmente a nossa espécie quebrará esse recorde. Na Ilha de Java, na Indonésia, viveu o Homo soloensis. Em Denisova, na Sibéria, viveu o Homo denisova. Muitas outras espécies viveram em cavernas e ilhas.
Enquanto esses humanos evoluíam na Europa e na Ásia, a evolução na África Oriental continuou nutrindo novas espécies, como: Homo rudolfensis, Homo ergaster, e, finalmente, nossa espécie: Homo sapiens. Foi, portanto, na África que surgimos há cerca de 200 mil anos.
Segundo Harari, é uma falácia conceber essas espécies em uma linha reta de descendência. A verdade é que de 2 milhões de anos a 10 mil anos trás, o mundo foi habitado por várias espécies humanas ao mesmo tempo. Há 100 mil anos existiam pelo menos seis espécies humanas diferentes. Apenas a nossa espécie, Homo sapiens, sobreviveu. Como já dito, surgimos há 200 mil anos, na África Oriental. Há cerca de 70 mil anos, nos espalhamos na Península Arábica e território da Eurásia, começamos a dominar o resto do planeta terra e extinguimos as demais espécies humanas.
Inicialmente, éramos nômades e nos alimentávamos de caça, pesca, raízes e frutos. Por estarmos expostos aos traumas, morríamos facilmente. Quando nos espalhamos pelo norte da África e Eurásia nos concentramos em algumas regiões como: a Mesopotâmia, entre os rios Tigres e Eufrates; o Egito, ao longo do rio Nilo; a China, no Vale do rio Amarelo e no Vale do rio Indo.
Os microrganismos causam doenças em nossa espécie, desde que surgimos na África. Segundo Stefan Cunha Ujvari, em seu livro “A História da Humanidade Contada pelos Vírus”, a tuberculose humana, que até pouco tempo acreditava-se ter surgido com a domesticação do gado, surgiu há milhares de anos. Os cientistas diziam que a tuberculose do gado, causada pelo Mycobacterium bovis, dera origem a tuberculose humana, causada pelo Mycobacterium tuberculosis. Apesar dessa hipótese ter sido plausível durante muito tempo, caiu por terra com os estudos de materiais genéticos do bacilo da tuberculose de pessoas mortas há milênios. Segundo os referidos estudos, um ancestral bacteriano deu, primeiro, origem ao M. tuberculosis. O M. bovis foi o último a surgir na escala evolucionária. Assim, já havia humanos com tuberculose antes da domesticação do gado. Cientistas encontraram em múmias egípcias o DNA do bacilo da tuberculose. A peste branca (tuberculose) já atingia os egípcios desde a unificação do Alto e Baixo Egito e esteve presente em todo o período da história do Egito, em surtos epidêmicos.
Os piolhos nos acompanham desde os primórdios de nossa história. Através do estudo do genoma dos mesmos, verificou-se que existem piolhos específicos aos macacos e aos humanos. Ambos evoluíram de um ancestral comum que viveu há cerca de cinco milhões e meio de anos. O tifo, doença transmitida pelo piolho, foi devastador para os seres humanos e responsável por várias epidemias ao longo da história. Durante o segundo ano da Guerra do Peloponeso, em 430 a.C., a cidade-estado de Atenas, na Grécia Antiga, foi atingida por uma epidemia dizimadora, conhecida como a “Peste de Atenas”, ou “Peste do Egito”, que matou, entre outros, Péricles e seus dois filhos. Muitos historiadores acreditavam que o tifo teria sido a causa dessa epidemia. Atualmente, estudos genéticos da bactéria encontrada em dentes das ossadas dos soldados atenienses mostram que foi a febre tifóide. Entre as causas responsáveis pela derrota de Napoleão e sua Grande Armée na invasão da Rússia, em 1812, está o tifo, ao lado do frio e da fome.
Quando, há 10 mil anos, nossa espécie se fixou para iniciar a agricultura e domesticar os animais, as doenças proliferaram com mais intensidade e surgiram grandes epidemias. Ao mesmo tempo que existiam os agricultores, existiam os pastores, que domesticaram animais como: aves, porcos, gado, cavalos, cachorros e gatos.  O contato com esses animais, principalmente aves e porcos, nos legou muitas doenças. A gripe é uma das doenças que as aves nos transmitiram. Já o resfriado, vem do cavalo.  As epidemias de gripe e varíola surgiram há milênios. Existem relatos de epidemias na era romana. A varíola já foi identificada em múmias egípcias.  Epidemias de malária surgiram há dez mil anos. O desenvolvimento da agricultura propiciou as condições para que o mosquito Anopheles, que transmite o parasita plasmódio, causador da malária, se propagasse.
No momento em que começamos a estocar grãos, como o trigo, o rato proliferou, disseminando suas doenças. A peste bubônica, conhecida como peste negra, transmitida pela pulga do rato, dizimou 1/3 da população da Europa, em meados do século XIV.
Os europeus introduziram várias doenças em toda América, dizimando milhares de nativos. No Brasil, os portugueses trouxeram a gripe, a varíola e a tuberculose, entre outras enfermidades.
Segundo Ujvari, o HIV, vírus causador da epidemia da AIDS, estava presente nos chimpanzés que habitavam os países: Camarões e Gabão, na África. Esses macacos contaminaram os sapiens através de escoriações e ferimentos quando, após serem vítimas de caçadores e terem seus corpos destrinchados e suas carnes ensacadas para serem vendidas nos mercados, o vírus penetrou em seus organismos.
O HIV, presente em mais de trinta espécies de primatas, na África, começou a contaminar os Sapiens por volta de 1930. No organismo humano, o vírus conseguiu alcançar as secreções genitais e, assim, atingir outros humanos por relações sexuais. A doença foi se espalhando lentamente até ser desmascarada em 1980. Entretanto, o agente causal, batizado de HIV (vírus da imunodeficiência humana,) só foi identificado, em 1983, por dois grupos de pesquisas independentes liderados por Robert Gallo e Luc Montagnier.
Na atual pandemia da Covid-19, graças ao avanço da ciência, o genoma do vírus SARS-CoV-2 (coronavírus) foi decifrado poucos dias após os primeiros casos terem surgido na China, na cidade de Wuhan, em dezembro de 2019. Os Sapiens sempre conviveram com as doenças. Só a cooperação e a solidariedade entre os povos serão capazes de fazer a humanidade enfrentar e vencer as epidemias.
Fortaleza, 19.6.2020
(*) Médica e historiadora. Da Academia Cearense de Medicina e da Sobrames/CE.
Fonte: Publicado In: Jornal do Médico Digital. Junho de 2020. Postado no Blog Ana Margarida – Memórias em 26/06/2020.:

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