Muito pouco ama, quem com palavras pode expressar quanto muito
ama. (Dante Alighieri)
O legado de Luiz Carlos da Silva,
ao longo de oito décadas de existência, não pode ser medido por palavras,
números ou mesmo benquerença. Para nós, seus filhos, a esposa, amigos,
ex-colegas da turma de 1947 da Faculdade de Direito do Ceará, o mestre não pode
ser esquecido enquanto suas obras persistirem. E suas obras são imateriais. O
livro “Dos canaviais aos tribunais: a vida de Luiz Carlos da Silva” publicado
por ocasião de seus 90 anos, se vivo estivesse, registrou a grande admiração de
familiares, amigos e antigos clientes por ele. Através de suas páginas, é
possível acompanhá-lo, ainda menino, vencendo a légua que o separava do Sítio
Pau Branco até a escolinha primária, mais adiante, como aluno dedicado do
Colégio Cearense, nos bancos da Escola de Comércio Padre Champagnat e no
respeitável Curso de Direito, da então Faculdade de Direito do Ceará, que fez
dele o advogado vocacionado que era.
Da infância entre os canaviais de
sua terra natal, Acarape, até os tribunais, como promotor, por alguns anos, mas
principalmente como advogado que sempre escolhia o lado dos mais oprimidos,
Luiz Carlos da Silva percorreu uma longa estrada. Também como professor, de sua
própria escola, o Instituto Padre Anchieta, e depois no Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial (Senac), ele ajudou a formar gerações. Homem culto,
apesar da aparente simplicidade, não se negava a “dois dedos de prosa” com os
vendedores do Mercado São Sebastião, onde gostava de comprar mantimentos para o
lar de onze filhos e a esposa Elda, mas sabia, ao mesmo tempo, nivelar-se em
erudição com os doutores da lei. Ele também ensinava pelo exemplo de retidão.
Jamais compactuou com a injustiça e qual Quixote a enfrentar moinhos de vento,
enveredou pela política na esperança de ajudar a melhorar o País. Não logrou
êxito nas urnas, mas nem assim ele se abateu. Era um otimista incorrigível.
Nascido em um lar cristão, tendo por progenitores pessoas
simples, de módicas posses, Luiz Carlos da Silva teve a felicidade de ver, nos
seus pais, José Carlos da Silva e Valdevina Carlos da Silva, o descortino de
centrar esforços na educação da prole, quando esses tomaram a bem pensada
decisão de enviar seus filhos para continuarem os estudos em Fortaleza. Todos
os seus irmãos se tornaram professores, legaram o saber a outras gerações.
Confirmaram a sábia atitude paterna em valorizar a educação formal da família
constituída
Luiz Carlos da Silva deu a seus pais duas enormes alegrias: em
1940, quando se formou perito-contador; e, em 1947, ao receber o diploma de
bacharel em Direito, pela tradicional Faculdade de Direito do Ceará, integrando
a Turma Sobral Pinto. Dos remanescentes da turma de bacharelandos de 1947, ao
ensejo da celebração do jubileu de ouro de formatura, era ele ainda um dos
poucos que permaneciam atuando na advocacia, acumulando cinquenta anos de
exercício profissional.
As palavras escritas, em especial, ou verbalizadas sempre
fizeram parte do encantamento de Luiz Carlos da Silva, quer estivesse no
exercício do magistério, ou mesmo na área advocatícia, em mais de 50 anos de
atividade profissional. Cultivava a retórica com primorosa erudição, tanto nos
tribunais como nas lides jurídicas, produzindo falas e peças oratórias de
inegável valor.
Em sua juventude, enveredou por vários gêneros literários,
mostrando uma certa afinidade e desenvoltura em expressar seus sentimentos,
através da poesia, do conto e da crônica, concretizando uma produção literária
que se notabilizou pelo seu estilo, essência e qualidade, sobretudo junto aos
leitores das décadas de 1930 e 1940, por ocasião de suas publicações.
Foi professor do ensino primário e médio por longos anos; porém,
recusou o acesso à carreira do magistério superior, ao rechaçar o convite para
compor o corpo docente, quando da instalação da Universidade Federal do Ceará,
porquanto ele privilegiava a sua atuação como causídico, uma deliberação da
qual não se arrependia.
Vários dos seus colegas dos bancos da vetusta Salamanca cearense
foram bem-sucedidos materialmente, recolhendo um expressivo patrimônio, oriundo
de recursos próprios e/ou encorpados por heranças familiares. Não foi
precisamente a sua situação, pois seus genitores não transmitiram bens ou
haveres, merecedores de um inventário formal de partilha, posto que as suas
atenções se direcionavam a que o produto do trabalho fosse aplicado, quase que
exclusivamente, na educação dos filhos.
Luiz Carlos da Silva exerceu a advocacia com afinco e honradez,
operando, maiormente, no campo do Direito do Trabalho, com uma clara opção por
assumir a defesa do trabalhador, a parte dita mais vulnerável da relação
trabalhista, o que lhe conferia, continuadamente, um contingente de centenas de
questões trabalhistas ativas, embora fossem elas, em sua maioria, causas de
pouco valor pecuniário. Não juntou tesouros cá na terra. Da sua labuta,
começada na meninice, com a dura faina de subjugar a terra inclemente, nos
roçados e nos canaviais, e sequenciada pelos exercícios de lecionar e de
advogar, somou um patrimônio material bem modesto.
Trabalhou, diuturnamente, de forma incansável e sem férias, por
mais de cinco décadas, com o fito de garantir o sustento e educar uma prole de
onze filhos vingados. Com efeito, ele não legou aos seus descendentes bens
materiais de monta; mas, disso não tinha qualquer remorso ou complexo de culpa,
dado que propiciou a eles um patrimônio imaterial, intangível, refletido na
educação, que os deixou aptos a vencer na vida, com os próprios recursos
intelectuais e, de forma livre, sem dependência de apadrinhamentos de qualquer
natureza.
Em 28/01/2016, quando completaria o nonagésimo oitavo
aniversário, se vivo fosse, Luiz Carlos da Silva estaria sobejamente orgulhoso
por verificar que aos seus quatro filhos formados em Ciências Jurídicas
(Sérgio, Luciano, Magna e José) se aglutinaram os seus netos operadores do Direito
(Leonardo, Germana, Paolo, Marcela, André, Natália e Serginho), coroando assim
uma profícua existência.
Perpassado o centenário do jurista e professor Luiz Carlos da
Silva, nascido na “Terra da Liberdade” (merecidamente Redenção/CE), sirvo-me do
momento para tecer poucas e até para alguns uma épica história de vida,
dedicação e zelosa contribuição para a sociedade cearense.
Não tinha a estatura rasputiniana nem os embates ao longo do
tempo que enfrentou não foram quixotescos, mas palmilhado por lutas constantes,
porém sem louros ou galardões, por voltada aos simplesmente comuns cidadãos,
que nele buscaram como um porto seguro a ampará-los. O bastião dos fracos, dos
desvalidos e desfavorecidos dos mais comezinhos direitos de cidadanias.
O doutor Luiz poderia merecidamente ter recebido a alcunha de
‘Sobral Pinto’ alencarino, pois grande foi a semelhança entre ele e o justo
paladino do Direito pátrio. Tiveram a mesma estatura tanto em saber jurídico,
honestidade incomensurável, paciência e fé cristã.
Suspeição por parentesco in
primo grado não está em conta. Em verdade, primeiro vem o reconhecimento de
fatos convividos no dia a dia e por anos imemoriais – em casa, nas lides e nos
meios sociais, e porque não dizer também, políticos.
Com frequência o Dr. Luiz valia-se de Dante Alighieri para
lembrar: Não se ganha fama numa cama de
penas, para imediatamente dizer de San Tommaso dAquino, que a humildade é o primeiro degrau da sabedoria,
e cuidando sempre que a honra é o prêmio
da virtude.
Vida de trabalho duro e incansável, temperou por décadas a
advocacia com o magistério. Pelejou pelos fóruns cearenses como ninguém.
Mostrou conhecimento e pronta atenção como ninguém. Enfrentou os arrogantes com
a razão e o tirocínio, despachou os que se embeveciam do poder efêmero de
autoridade ou econômico, deles jamais guardou a mágoa ou o rancor, nem buscou
por isso reconhecimento algum.
Não há curriculum para
quem sempre quis e agiu com simplicidade, pois sua vida foi como divisou Dante
Alighieri: o tempo passa e o homem não
percebe. Entrementes, para os que conheceram o doutor Luiz ou apenas o seu
Silva, foi muito mais: marido exemplar, pai sempre presente, amigo cordial,
advogado sábio e reto, mestre profícuo e interessado na transmissão do
conhecimento, cristão devotado. Enfim, um homem completo e cheio de virtudes
incontáveis.
Da profissão como advogado as lembranças: prazos e exposição
profunda do direito defendido nunca foram relegados. Intransigência nas causas
apresentadas ante a certeza de que a justiça não se media pelo dinheiro, cargo
ou origem, nem tremia diante das adversidades, das fraquezas e dos despreparos
de juízes e tribunais, nem das sinecuras articuladas as sombras ou segredadas
pelos opróbios.
Desceu-lhe a veia política quando por várias tentativas empreendeu
disputar mandatos eletivos sem dispender dinheiro ou submeter-se a conchavos.
Razão que o tempo cuidou de mostrar que nem tanto as traições partidárias e
palanqueiras foram bastante para subtrair a conquista de bravos apoiadores ou o
reconhecimento de muitos conscientes eleitores, apesar do malgrado resultado
das urnas.
A memória não fica nos escritos dos processos, nas aulas
ministradas, na convivência com os familiares e dos amigos, mas pela
transmissão do exemplo de vida pautada, honesta e humildade que deixou o doutor
Luiz, aliás o seu Silva de todos que o conheceram.
Causae
finita est!
Sérgio
Gurgel Carlos da Silva
Advogado
–OAB-CE Nº 2799
Nota do Blog: Biografia elaborada com participações de familiares e fundamentada nas obras que falam do advogado e professor Luiz Carlos da Silva. Foi lida, como discurso de agradecimento, na Sessão Solene da Assembleia Legislativa do Ceará alusiva ao centenário de nascimento de nosso genitor em 14 de agosto de 2018.
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