O livro Palestina del siglo primero y el actor
socio-religioso Jesús, de autoria do teólogo e sociólogo belga François
Houtart, trata-se de um ensaio sociológico sobre a Palestina, focando o
primeiro século do cristianismo, ao tempo da passagem terrena de Jesus,
publicado em Quito-Equador, em 2014, pela 13 Ediciones, sob os auspícios da Fundación Pueblo Indio e do Instituto de Altos Estudios Nacionales.
A obra
comporta as seguintes partes, ainda que não itenizadas: 1. A sociedade
palestina; 2. O sistema político; 3. Estrutura de classes, poder político e
correntes ideológicas; 4. O sistema ideológico e as funções sociais da
religião; e 5. O ator sócio-religioso Jesus. Esses compartimentos estão
devidamente concatenados, conduzindo ao desfecho na questão do papel do Filho
de Deus, como resposta ao messianismo judaico.
De princípio,
de acordo com François Houtart a Palestina do século I era uma região ocupada
pelos romanos e, por conseguinte, estava submissa a uma relação de modo de
produção escravagista e tributária, no sentido de que um poder central vive do
tributo pago por comunidades, povoados e cidades.
Nessa época, a
Palestina estava dividida em duas regiões bem distintas: a Judeia e a Galileia.
Primeiro estava a Judeia, território situado ao redor de Jerusalém e de seu
templo, região montanhosa e caracterizada, economicamente, por uma estrutura de
produção tributária. As terras, em sua maioria, eram áridas e secas. Nelas se
cultivavam oliveiras e frutas, a criação de rebanhos – cordeiros e cabras – estava
bastante desenvolvida. Também havia numerosos bosques.
A Galileia era
cortada por duas grandes vias comerciais: uma ia de Damasco ao mar e a outra de
Damasco a Jerusalém. Era uma região muito fértil, caracterizada por
latifúndios, nos quais se cultivava o trigo e se dispunham também de grandes
rebanhos. Os pescadores lançavam suas redes ao largo das costa e dos lagos. A
Galileia também foi o berço de numerosas revoltas camponesas, particularmente
as dos zelotas.
Duas grandes
atividades constituíam a base da economia judia: a agricultura e a criação de
animais, categorias com nível técnico mínimo, estruturadas em comunidades que
viviam em pequenos povoados ou vilas. A atividade artesanal, diferentemente,
crescia e se desenvolvia nas cidades, sendo os judeus tidos por hábeis e
aplicados artesãos. O terceiro setor fundamental da atividade econômica era o
comércio, que tinha por foco de desenvolvimento as cidades e por propulsor o
setor dos latifundiários.
O Estado era
um grande empregador, como condutor das grandes obras: reconstrução do Templo,
edificação de palácios, monumentos, aquedutos, muralhas etc. O Templo de
Jerusalém formava uma unidade com o Estado, revelando toda a sua pujança
econômica, com 18.000 funcionários, abrigando um contingente populacional da
ordem de 50.000 a 60.000, em uma cidade que possuía cerca de 600.000 almas.
Israel era uma
sociedade dependente e o seu sistema de classes sociais era bastante complexo,
com distintos interesses e graus de integração com a dominação romana. As classes
altas estavam bem integradas ao comércio internacional dirigido por Roma, ao
passo que os pequenos agricultores, artesãos e comerciantes estavam
empobrecidos pelo sistema tributário.
O sistema
político guardava a distinção entre centros urbanos e centros rurais e a
dualidade entre colônia e império. Nas comunidades rurais, o chefe da família
era o representante varão, o maior da linhagem, à imagem da estrutura das
antigas sociedades clãnicas. Nos centros urbanos, o poder político estava nas
mãos de uma pequena burguesia que começava a minar o poder da oligarquia
tradicional. Em Jerusalém, o Sinédrio, como um grande Conselho judaico, estava
formado por setenta e um membros, que representavam os sacerdotes principais,
os escribas e os anciãos. A monarquia conformava um terceiro componente do
Estado judeu, por meio de uma marionete, absolutamente dependente de Roma, que
exercia sua dominação interna com uma repressão tanto política como econômica.
Como atores
sociais, a sociedade de Israel, no tempo de Jesus, deparava-se com várias
correntes ideológicas, distribuídas em: saduceus, fariseus, escribas, essênios,
zelotes e herodianos, que, em suas relações e contradições, estruturavam o
campo das forças religiosas e políticas, e expressavam a diversidade das classes
sociais da época.
Jesus de
Nazaré opôs-se à aristocracia sacerdotal e laica, e, igualmente, ao baixo clero
e aos escribas e aos fariseus. Sua produção ideológica não foi no Templo nem
nas sinagogas, mas nos caminhos da Palestina, tendo Ele passado a maior parte
da vida de pregador ambulante na fértil e contraditória Galileia.
Em suma,
segundo Houtart, o movimento cristão, em seu nascedouro, seria de um ponto de
vista sociológico, uma expressão, ao nível simbólico, da situação de opressão
dos grupos sociais marginalizados da Palestina, compostos por estratos do
proletariado urbano e rural e por uma parte das classes intermediárias. A
oposição à opressão e às injustiças era o signo fundador de um projeto, por sua
vez, histórico e pós-histórico,, e que se situava em alusão a um Deus de amor,
inspirador da utopia e Pai de uma humanidade reconciliada.
Para concluir,
François Houtart proclama, para os dias atuais: “É por isso, que, em tempos de
uma crise mundial que afeta a centenas de milhões de seres humanos, sua
mensagem segue vigente e vale a pena ser seguida”.
Marcelo
Gurgel Carlos da Silva é médico
católico e membro da Sociedade Médica São Lucas.
Fonte: O Povo, de 2/11/2014. Espiritualidade. p.16.
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