Por Heitor
Férrer (*)
Cheguei a Fortaleza em março de 1968.
Vivíamos em plena ditadura militar, comandados pelo segundo marechal à frente
do país e sob forte influência dos Estados Unidos. O mundo encontrava-se em uma
falsa paz, dominada pelo medo da Guerra Fria, com suas ogivas nucleares
apontadas de ambos os lados — soviéticas e norte-americanas. Durante décadas,
apesar das diferenças entre republicanos e democratas, o Ocidente manteve-se
unido. A Europa, fortalecida, seguia como um pilar fundamental no embate
geopolítico contra a União Soviética.
Essa estabilidade relativa sustentou-se até
a ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Com sua chegada ao
poder, as estruturas geopolíticas estão abaladas e o Ocidente se vê subitamente
enfraquecido. Trump vira as costas para os aliados históricos e, de maneira
alarmante, parece se alinhar a regimes autoritários, legitimando posturas
expansionistas como a da Rússia. A ucrânia foi invadida e está, diariamente,
sendo destruída aos olhos do mundo.
O que antes era impensável tornou-se
realidade. A política externa dos Estados Unidos, outrora guardiã da liberdade
e da estabilidade global, deu uma guinada que fragilizou alianças estratégicas
e colocou a Europa em situação de vulnerabilidade. Trump chegou ao ponto de
ameaçar a OTAN, um pilar da segurança ocidental, colocando em xeque a força do
bloco que, por décadas, serviu como barreira contra o expansionismo de regimes
autoritários. Mais recentemente, um de seus principais aliados, o empresário
Elon Musk, chocou o mundo ao fazer um gesto que remete ao genocida Adolf
Hitler.
O mais espantoso foi a reação do público
presente: aplausos. Esse episódio, que deveria gerar indignação e repúdio
unânime, revela o quanto a normalização de discursos extremistas e
antidemocráticos avançou. Seu vice-presidente, em visita à Europa, critica uma suposta
censura no continente e omite-se diante das brutalidades cometidas por
ditaduras como Rússia, China, Turquia e Coreia do Norte. Só faltou acenar para
Cuba e Nicarágua. O silêncio seletivo diz muito sobre a inversão de valores que
estamos vivendo.
O mundo, outrora dividido entre forças
democráticas e regimes autoritários, encontra-se em uma confusão sem
precedentes. O líder da maior potência ocidental tornou-se um fator de
desestabilização, não de união. A ascensão de Trump trouxe consigo um
questionamento profundo sobre o futuro da democracia e da ordem internacional.
O que antes parecia sólido agora está por um fio. O Ocidente, outrora coeso e
forte, precisa reagir antes que seja tarde demais.
(*) Médico
e deputado estadual (Solidariedade).
Fonte:
Publicado In: O Povo, de 7/03/2025.
Opinião. p.23.