ETCETERA, ETCETERA...
Taunay - Reminiscências, vol. I, pág. 27
Analisava, certo dia, Zacarias de Góis e Vasconcelos, da tribuna, os atos e a vida particular de Cotegipe, então ministro da Marinha no gabinete 16 de julho.
- S. Excia. - diz o orador, - não tem tempo material para despachar o simples expediente da sua pasta. Senão, vejamos. O nobre ministro levanta-se tarde, mais ou menos às 10 horas da manhã; faz a sua toilette com apuro, o que lhe leva bem uma hora; almoça às 11, palestra com os amigos; chega ao Senado às 12; vai à Câmara ou responde aqui pelos desacertos do gabinete; fica livre às 4; acha a casa cheia de gente; torna a palestrar com os íntimos; janta às 7 e meia; joga a sua indefectível partida de voltarete; vai ao teatro às 10, sai dele às 11, passeia por aí, etc., etc., e afinal recolhe-se depois de meia-noite, senão mais tarde!
No dia seguinte, Cotegipe responde-lhe, no mesmo tom:
- Sinto, Sr. Presidente, não ter podido ouvir ontem, o minucioso relatório, que o nobre senador apresentou sobre a minha vida diária, pois houvera retificado várias inexatidões. Até certo ponto, porém, foi conveniente, porquanto tivesse ensejo de proceder a conscienciosas indagações e estou agora habilitado, do meu lado, para indicar ao Senado o modo por que S. Excia. reparte as horas do seu dia. Levanta-se cedo, às 6 horas da manhã, toma o seu banho frio, bebe café com leite e come um pratinho de torradas. Depois, estuda os relatórios e as matérias da ordem do dia até às 9. Aí, almoça e vai vestir-se, no que gasta algum tempo, por isso que prova várias sobrecasacas, a ver a que melhor lhe assenta. (Era, com efeito, uma das preocupações do Zacarias andar sempre com roupas severas, mas muito bem ajustadas e elegantes). Vem para o Senado e até às 4 horas da tarde leva a causticar a todo o mundo. Volta à casa na sua caleça; janta às 5 e palita os dentes. Às 6 e meia sai para a Misericórdia; às 8 encerra-se com as irmãs de caridade e com elas conversa, até às 9 e meia; recolhe-se às 10 e deita-se, dormindo sono de beato por ter cumprido com todas as suas obrigações.
Provedor da Santa Casa, Zacarias achou oportuno propor a Cotegipe um acordo, para que aquilo não ficasse nos anais. Procurou-o.
- Colega, - pediu, com gravidade, nas provas taquigráficas vou tirar aqueles maliciosos "etcetera, etcetera". V. Excia., por sua parte, há de eliminar a tal história das irmãs de caridade. Ouviu?
- Riscarei tudo quanto V. Excia. quiser, - concordou o Barão, - mas não consinto, isso nunca, que deixem de aparecer os tais "etcetera, etcetera". Esses são meus, e vão dar-me muita força moral.
E com o seu perfil de fuinha:
- Se os suprimir, reclamo-os da tribuna; fique certo!
A AGONIA DO GIGANTE
Taunay - Homens e Coisas do Império, pág. 87
Vítima de um ataque de uremia, o Visconde do Rio branco agonizava, cercado pela família e pelos amigos. Pálido como cera, os olhos cerrados, tentava, de quando em quando, erguer o braço, no seu gesto de orador, deixando escapar frases que davam idéia do seu delírio.
- Senhor presidente... - exclamou, grave; - peço a palavra...
Momentos de silêncio. E depois:
- Peço licença para falar com muita pausa devido ao meu melindroso estado de saúde...
Novo silêncio. Em seguida:
- Não perturbem a marcha do elemento servil...
E com energia, na frase derradeira:
- Confirmarei diante de Deus tudo quanto houver afirmado, diante dos homens!...
Momentos depois, era a morte.
A PALAVRA DOS INTERESSADOS
Taunay - Reminiscências, vol. I, pág. 74
Logo após a República, foi o conselheiro Paulino José Soares de Sonsa, provedor da Santa Casa, procurado por uma comissão de positivistas, que o foi convidar a mudar a denominação do cemitério São João Batista para Sul-Colombiano.
- Tomo nota da idéia - replicou o velho monarquista; - mas convém, antes da execução, saber se os que lá se acham têm até agora motivo de queixa ou aborrecimento contra esse nome de São João Batista.
O ÚLTIMO ESCRAVO
Ernesto Sena - Deodoro, pág. 160
Era a 23 de novembro de 1893. Verificada a traição de amigos em que confiava, e para não atear a guerra civil, Deodoro resolveu renunciar a presidência da República.
Manda lavrar o decreto. Levam-lho. Ele torna da pena, comovido, a mão trêmula.
- Assino a carta de alforria do último escravo do Brasil, - declara.
E assinou.
ARTE DE COMER
Taunay - Reminiscências, vol. I, pág. 47
Sales Torres-Homem era dos mais famosos sibaritas que o Brasil tem produzido. Os prazeres da mesa eram, para ele, dos maiores. Comia, porém, com arte, com método, não como um glutão, mas como um verdadeiro artista do paladar. Em certo banquete dizia ele a um vizinho:
- Não coma do pão senão a côdea, meu amigo: o miolo incha logo no estômago e ocupa lugar que pode ser mais bem preenchido!
DETIS E A REPÚBLICA
Taunay - Reminiscências, vol. I, pág. 74
Era o conselheiro Paulino José Soares de Sonsa provedor da Santa Casa de Misericórdia quando foi intimado pelas autoridades republicanas a acabar com o "Deus guarde" dos seus ofícios ao governo.
- Não me é licito aceder à intimação de V. Excia. - respondeu ele ao ministro do Interior: - neste estabelecimento ainda há Deus, nem se o pode dispensar no meio de tantos sofrimentos e misérias dos homens.
E não alterou a fórmula.
A ELEIÇÃO PRESIDENCIAL
Serzedelo Correia - Páginas do Passado, pág. 15
A imprensa, na sua quase unanimidade, reclamava diariamente a eleição presidencial, que Floriano ia adiando. Desejando pôr termo a essa situação os ministros reuniram-se na secretaria da Viação, sendo todos acordes em forçar o ditador a essa medida. Incumbido de levantar a questão no despacho semanal, Simeão fê-lo com coragem. Floriano escutou-o e, ao cabo, voltando-se para Rodrigues Alves, indagou:
- O senhor conselheiro pensa da mesma forma?
- Perfeitamente.
Voltou-se para José Higino:
- E o senhor?
- Solidário com eles.
Era a vez de Serzedelo Correia. Floriano sabia-o na conjuração. Antes, porém. que este se manifestasse precipitou:
- A opinião aqui do meu camarada, eu já conheço.
Transfigurou-se:
- Mas os senhores estão enganados.
E batendo com a Constituição em cima da mesa:
- Enquanto esta vigorar, sou o presidente, e não faço a eleição!
Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927)