CONDECORAÇÕES
Moreira de Azevedo - "Mosaico Brasileiro", pág. 87
Barba por fazer, casaca mal posta, apareceu D. Francisco de Almeida, segundo conde das Galveas, no Paço, em uma das festas de D. João VI. À barriga, pela altura do cós do calção, faiscava a sua comenda de uma das grandes ordens portuguesas do tempo.
- Que é isso, sr. conde? - observou-lhe, espantado, um dos ministros. - É aí, então, que pondes a vossa comenda?
- É aí o lugar, filho, - retrucou, indiferente, o fidalgo.
E com bonomia:
- As condecorações andam tão por baixo, que eu, para andar na moda, pus a minha à cintura!
A DEMISSÃO DE CUSTÓDIO
Serzedelo Correia - "Páginas do Passado", pág. 13.
Em uma das reuniões do ministério, com Floriano no governo, Custódio José de Melo, ministro da Marinha, propôs que se telegrafasse ao Marechal Moura, ministro da Guerra, então no Rio Grande, dando-lhe instruções para a pacificação do Sul. Floriano aceitou o alvitre, combinou o texto do telegrama e, no despacho seguinte, Custódio o interpelou.
- Então, telegrafou ao Moura?
- Não, - respondeu Floriano, seco; - mudei de opinião.
O almirante estranhou:
- Como? - V. Excia. não podia mudar de opinião; era assunto resolvido por todo o ministério.
- Mas mudei, - tornou o ditador. - Se o senhor quer a presidência da República, eu lhe passo o poder.
- Não, isso, não; - volveu Custódio.
E dando a sua demissão:
- Se eu quisesse a presidência da República, quando tinha os canhões do Aquidaban voltados para a cidade, não teria vindo ser ministro da Marinha no seu governo!
"OH, LINDA!"
Frei Vicente do Salvador - "História do Brasil", pág. 107.
Andando com outros por entre o mato, em busca de um lugar em que o seu amo fundasse uma povoação, um galego, criado de Duarte Pereira, foi ter a um monte à beira-mar, de onde se divisava um soberbo panorama. E tão encantado ficou com a posição descoberta que, não se contendo, exclamou:
- Oh, linda!
É essa a origem, vulgarmente admitida, do nome que ainda hoje tem a antiga capital pernambucana.
PUDOR DE PATRIOTA
Afonso Arinos - Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras.
No seu hotel de Paris, possuía Eduardo Prado um criado inglês, o Humphyes, que, pouco a pouco, aprendeu o português, e se transformou em mordomo do suntuoso globe-trotter.
Certo dia, ao entrar nos apartamentos de Eduardo, encontrou-o um amigo a trancar, discreto, os jornais brasileiros recebidos naquela manhã.
- Ainda não os leste?
E Eduardo, confuso:
- Não é por isso; é que tenho vergonha de Humphyes. Não quero que ele saiba do que se passa, agora, na terra do seu amo!
CONSCIÊNCIA DE PAI
Múcio Teixeira - "Os Gaúchos", vol. I, pág. 229.
Comandava o Coronel Emílio Mallet. Barão de Tapeví, um regimento de artilharia em frente a Paissandú, quando recebeu ordem de atravessar o rio e atacar o exército paraguaio, acampado na outra margem. Um dos seus filhos era o porta-bandeira e o outro, João Nepomuceno, que chegou a marechal, comandava a primeira ala.
Ao receber a ordem, o comandante reuniu a oficialidade, e expôs-lhes a situação da sua consciência.
- Meus filhos - disse - devem ser os primeiros a atravessar o rio, devido à posição que ocupam no regimento; mas estou indeciso, porque, se os mando na frente, poderão dizer que quero enchê-los de glória; e se os retirar para a retaguarda, pensarão talvez que procuro poupar-lhes a vida.
Resolveu, porém, que eles iriam à frente. Um, morreu. Outro, foi o primeiro a pisar território inimigo.
SANTIDADE E HIPOCRISIA
Alberto Rangel - "In memoriam de Euclides da Cunha", pág. 17
Adido à coluna do general da expedição a Canudos, Euclides da Cunha assistia, horrorizado, a selvajaria com que um dos assessores do comandante tratava os jagunços. A sua alma de civilizado confrangia-se ante aqueles espetáculos de barbaria ordenados pelo carrasco.
Uma tarde em que marchavam juntos por uma encosta, pareceu a Euclides ver sob a farda do Torquemada o ouro de um crucifixo.
- Que é isto? - indaga, surpreso.
- Jesus! - responde-lhe o oficial.
- Pois, olhe, - diz-lhe o escritor, revoltado com aquela hipocrisia.
E batendo no peito:
- Eu tenho aqui dentro um coração!
Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927)