A solenidade do Natal foi introduzida no calendário litúrgico cristão
pelo Papa Júlio I, que governou a Igreja de 337 a 352 (A.D.), fixando-a no dia
do “Sol Invicto”, ainda durante o Império Romano, que obrigava a todos os povos
sob o tação romano a celebrarem o renascimento do sol invencível, que era
invencível, uma vez que morria, ao cair da noite, e renascia, ao se levantar na
manhã seguinte.
No calendário litúrgico católico, o dia 28/11/2021 marca o
início do Advento, período de quatro semanas que antecede ao ciclo natalino,
cujo acme é alcançado em 25 de dezembro quando o cristianismo celebra o
nascimento do Menino-Deus, ocorrido há pouco mais de dois milênios na “cidade
do pão”, demarcando o que se convenciona rotular Anno Domini.
Em muitos países, especialmente no mundo ocidental, o Natal
aponta para a prestes virada do ano-calendário, com a chegada do Ano-Novo, um
feriado qualificado como o Dia Mundial da Paz. Nesse momento festivo, independente
da profissão de fé, as pessoas, “grosso modo”, aproveitando um certo recesso
laboral e estando envoltas no clima da confraternização universal, buscam
estreitar ou criar laços de amizade, materializadas em festas de Réveillon.
O Réveillon, já de há muito
tempo, tornou-se um objeto de consumo apropriado pela ganância dos interesses
privados e pelo uso político da parte do poder público. A Prefeitura de Fortaleza,
há alguns anos, vem investindo, muito pesadamente, em promover um feérico
evento, para assinalar a passagem do ano.
Para tanto, lança mão de vultuosos recursos, sobretudo oriundos
do seu próprio erário, em uma acerba disputa para se rivalizar com o Réveillon congênere da Cidade
Maravilhosa, em termos de público presente, atraído por um longo show pirotécnico e por caras
apresentações artísticas, e regado ao exacerbado consumo de bebidas alcoólicas,
gerando entre algumas pessoas um espetáculo de contorcionismos que muito lembra
a histeria coletiva em cidades europeias à época da Peste Negra.
Antes da pandemia da Covid-19, a Prefeitura da capital cearense estranhamente
propagava a presença de mais de um milhão de participantes em um delimitado
espaço físico, situado na Praia de Iracema, onde a festa se concentra. Sem
entrar nos méritos das cifras arroladas, as imagens captadas nesses festejos
locais e divulgadas na mídia identificam uma multidão bastante apinhada,
naturalmente inviável à aplicação de medidas de distanciamento social.
Após dezoito meses de agruras dos fortalezenses, na convivência
de ondas pandêmicas que se sobrepuseram, sem um claro intervalo entre elas,
experimentam-se dois meses de certa acalmia dos números de óbitos, internações
e casos de Covid-19, no mesmo compasso em que se avançou na cobertura vacinal
contra o novo coronavírus.
O recente descenso da pandemia ensejou a flexibilização das
medidas sociais restritivas, o que suscitou a mobilização para reativar o Réveillon municipal, algo que pode ser
açodado tendo em conta a ressurgência da Covid-19, na forma de uma quarta onda,
que começa a assolar alguns países europeus atualmente, conforme alertou a Dra.
Mariângela Simão, diretora-geral adjunta da Organização Mundial da Saúde, na
sua conferência da abertura do XI Congresso Brasileiro de Epidemiologia, em
transmissão online a partir de
Fortaleza, proferida em 22 de novembro de 2021.
As palavras de prudência do Gov. Camilo Santana e do seu
secretário de saúde Marcos Gadelha sobre o citado Réveillon são dignas de encômios. Em 26/11/2021, o governador do
Ceará anunciou decreto proibindo a feitura de megaeventos públicos em todo o
território cearense, medida aplicável a todos os municípios, podendo ser
realizados confraternizações de Réveillon
limitadas a 2.500 e 5.000 pessoas, respectivamente, em locais fechados e
abertos, com acesso condicionado à exibição de passaporte sanitário. O Prefeito
de Fortaleza, por sua vez, em 27/11/2021, comunicou o cancelamento do Réveillon que se cogitava ser reativado
no Aterro da Praia de Iracema.
Que as quatro velas do Advento, acesas a cada semana, tragam as
inditosas lembranças das mais de seiscentos mil vítimas fatais da Covid-19
computadas no Brasil até então e protejam o povo brasileiro contra o provável
aporte da variante Ômicron, dita como responsável por uma quarta onda, ou que,
pelos menos, mitiguem os seus efeitos deletérios na Terra Brasilis.
Acad. Marcelo Gurgel Carlos
da Silva
Membro titular da ACM
– Cadeira 18
* Publicado In: Jornal do médico digital, 2(20): 42-44, dezembro
de 2021. (Revista Médica Independente do Ceará).