Por
Por Lucinda Canelas
A Sotheby’s devolveu 9,4 milhões de
euros ao comprador de um retrato de Frans Hals. Motivo? Era falso. Estaremos
perante “o melhor falsificador de todos os
tempos” e o maior escândalo dos últimos cem
anos?
O mercado da pintura antiga tem sido
agitado nos últimos meses por uma série de episódios que envolvem obras falsas,
ou pelo menos sob suspeita, de pintores como Parmigianino, Orazio Gentileschi,
Lucas Cranach, o Velho (1472-1553), e Frans Hals. No caso destes dois últimos –
Vênus com um Véu e Retrato de um Homem Desconhecido – há um denominador
comum: ambas pertenceram a Giulano Ruffini, identificado em junho pelo Art Newspaper,
publicação especializada em notícias do mundo da arte, como sendo um
colecionador francês de 71 anos que diz ter vendido por muitos milhões de
euros várias obras de grandes mestres a importantes leiloeiras em Londres, Nova
Iorque, Paris e Milão. Obras que agora estão sob apertado escrutínio e que
poderão dar origem a um enorme escândalo.
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Falso Cranach "Vênus com um véu" |
Quem será o falsário ou falsários
capaz de executar pinturas que passam por verdadeiras aos olhos dos galeristas
e dos peritos das leiloeiras, supostamente experientes? Será que grande casas
como a Sotheby’s e a Christie’s estão a desleixar-se na hora de avaliar o que
se propõem vender? Perguntas como estas estão agora a ser feitas nos bastidores
e nas páginas de jornais e revistas e a alimentar a imaginação dos que se
habituaram a ler romances em que o mistério começa (e às vezes também acaba)
numa obra de arte.
Um destes falsos, soube-se esta
semana, foi transacionado pela leiloeira Sotheby’s em 2011, numa venda privada.
É o retrato de um homem desconhecido, considerado uma obra de Frans Hals
(1582/83-1666), um dos mais reputados pintores do chamado “Século de Ouro” holandês,
ultrapassado apenas por Rembrandt e Vermeer.
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Falso Frans Halls "Retrato de um homem desconhecido" |
A Sotheby’s, que agora veio a
público assumir o erro na atribuição do retrato, devolveu há meses ao comprador
o montante que este pagara por ele – 10,6 milhões de dólares (9,4 milhões de
euros) – e é bem provável que venha a processar o galerista que lhe fez chegar
a obra.
Segundo o Antiques Trade Gazette,
semanário para quem negoceia no mercado da arte, a Sotheby’s limitou-se a
mediar a venda, que na realidade tinha como origem o galerista londrino Mark
Weiss, que no passado se viu envolvido noutros escândalos mediatizados mas que
já teve na sua lista de clientes instituições tão importantes como a Tate
Britain e o English Heritage. O comprador será um americano cuja identidade não
foi revelada.
Garante o semanário que, de momento,
não há qualquer suspeita de que a leiloeira ou o galerista soubessem de antemão
que estavam a negociar uma pintura falsa.
Uma Vênus falsa
A autenticidade do retrato de Hals
passou a ser uma preocupação para a Sotheby’s quando, em Março, Vênus com um Véu, de
Lucas Cranach, o Velho, foi retirada de uma exposição em Aix-en-Provence no
âmbito de uma investigação das autoridades francesas que a colocava num lote de
obras que, muito provavelmente, tinham sido falsificadas com o recurso às mais
avançadas tecnologias, informou a leiloeira num comunicado esta quinta-feira.
Esta obra do pintor alemão fora vendida em 2013 por sete milhões de euros ao
príncipe do Liechtenstein, João-Adão II, pela galeria londrina Colnaghi, e está
agora a ser examinada pela equipa do Museu do Louvre, em Paris, segundo a
revista britânica de economia Money Week.
Perante o caso Cranach, a leiloeira
avisou o comprador do retrato holandês. Depois, em conjunto, encomendaram uma “análise técnica de alta-qualidade que demonstrou que a
obra era uma falsificação”, explicaria mais
tarde a Sotheby’s à Antiques Trade
Gazette. Esta “análise material”, forense,
ter-se-á centrado, em boa parte, nos pigmentos usados e não deixou dúvidas. A
aplicação de materiais modernos tornou evidente que a pintura não poderia ter
sido feita no século XVII: “Continha
materiais sintéticos que foram produzidos pela primeira vez no século XX”, lê-se ainda no referido comunicado.
Em 2011, quando a obra de Frans Hals
foi vendida, fora feito um exame dendocronológico (método que permite
determinar a idade do suporte com base nos padrões dos anéis da madeira nele
usada) que não levantou quaisquer suspeitas quanto à antiguidade da obra. Ou
seja, a madeira da pintura é antiga, mas os pigmentos com que foi executada (ou
pelo menos alguns deles) não são.
Para o historiador de arte britânico
Bendor Grosvenor, um especialista em pintura antiga, o caso deste falso retrato
de Frans Hals é simplesmente “extraordinário”. E porquê? “O que é incrível é a
qualidade e o facto de não ser uma cópia”, disse aos microfones da BBC Radio 4.
“Ele [o falsário] conseguiu capturar a aura
de Hals e ao mesmo tempo criar uma composição que é totalmente nova.” Se o retrato de Hals ou a pintura de Cranach são falsos,
e Grosvenor acredita que é bem provável que o sejam, “estamos a lidar com o melhor falsificador de todos os
tempos”.
A proveniência é tudo
O retrato
de Frans Hals e a Vênus de Cranach são
apenas duas das pinturas que a polícia francesa poderá vir a incluir um vasto
lote de potenciais falsificações quando der por terminada a investigação. Um
lote que fará parte de uma fraude que poderá ultrapassar os 220 milhões de
euros e que inclui, por exemplo, uma pintura do italiano Orazio Gentileschi
(1563-1639) que até já esteve exposta na National Gallery de Londres. Esta obra
esteve também nas mãos do homem que tinha o retrato do pintor holandês – Mark
Weiss.
O galerista Bob Haboldt, ouvido pela
edição de domingo do tablóide britânico Daily
Mail, que fez eco da investigação do
francês Journal des Arts a propósito da Vénus de Cranach, publicada em Setembro,
afirmou ser bem possível que a operação das autoridades de Paris venha a expor
uma lista de falsos que pode chegar às 25 obras. “Este é o maior escândalo na arte dos últimos 100 anos”, disse Haboldt, que tem representações em Paris e Nova
Iorque, referindo-se a “falsificações altamente
sofisticadas”.
O que este caso vem demonstrar,
disse à agência de notícias Bloomberg Richard Feigen, um outro negociante de
pintura antiga que trabalha a partir de Nova Iorque, é que o grau de
sofisticação dos falsários contemporâneos é cada vez maior, o que deve fazer
com que as leiloeiras e os seus avaliadores sejam cada vez mais atentos e
exigentes. “É um dos maiores escândalos de
que me lembro”, acrescentou o galerista que tem
loja aberta há 60 anos. “Não há nada de que
me recorde a esta escala e com esta variedade de artistas.” O Cranach e o Gentileschi (David Contemplando a Cabeça de Golias) foram-lhe oferecidos como possibilidade de negócio, mas
Feigen, que em janeiro vendeu outra obra do pintor italiano por 30,5 milhões de
dólares (27,2 milhões de euros) ao J. Paul Getty Museum, não chegou sequer a
ter oportunidade de os avaliar.
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Falso Gentileschi "Davi contemplando a cabeça de Golias". |
Não será a primeira vez que o mundo
se vê confrontado com um falsificador talentoso – basta pensar em Wolfgang
Beltracchi e nas pinturas que fez e que passaram como originais de Max Ernst e
foram parar à colecção do Museu Metropolitan, em Nova Iorque –, mas o que estes
episódios recentes vêm sublinhar é que, quando se trata de decidir o que fazer
perante a possibilidade de comprar uma obra de arte, antiga ou não, “a proveniência é tudo”,
escreveu recentemente o editor de arte da BBC, Will Gompertz. Para que uma obra
venha com garantia, é preciso saber quem foram os seus donos no passado e o que
fizeram com ela no que à conservação e ao restauro diz respeito. “As falsificações são bem mais comuns do que muitos no
mercado da arte estão dispostos a admitir em público.”
O galerista Bob Haboldt concorda: “É difícil identificar estas obras como falsas, mas a
falta de informações credíveis quanto à sua proveniência e de referências [a
elas] nas numerosas publicações sobre estes artistas deviam ter levantado
suspeitas junto dos negociantes.”
Haboldt acredita que a lista das
obras envolvidas no escândalo será revelada em breve. As autoridades francesas
estarão a investigar uma rede de falsários italiana, escreve o Mail on Sunday,
avançando com a possibilidade de o francês Giuliano Ruffini ser uma peça-chave
em todo o esquema. É que o Hals e o Cranach não foram as únicas pinturas
vendidas por este homem que continua a dizer ser apenas um coleccionador, não
um especialista. Ao Art Newspaper chegou mesmo a lembrar
que não apresentara nenhuma das obras que vendeu como sendo verdadeira.
Fonte: UOL Notícias, 10/10/2016.