Francisco das Chagas Dias Monteiro (o Chico Passeata), nascido em Fortaleza, em 7 de novembro de 1947, iniciou a sua graduação na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), em janeiro de 1966, porém devido às severas e descabidas sanções da ditadura castrense, decorrentes da sua militância política, somente veio a concluir o curso médico em julho de 1976. Cursou Especialização em Saúde Pública na Universidade Estadual de Campinas, (Unicamp), em 1984, obtendo o título de especialista em Saúde Pública. Em 1995, ingressou no Mestrado Acadêmico em Saúde Pública da UFC, encerrado em 1997, com a defesa da dissertação: “O Instituto de Medicina Preventiva (IMEP): uma História do Ensino da Medicina Preventiva na Universidade Federal do Ceará”, produto da maior relevância para o conhecimento da História da Saúde Pública no Ceará, digna de ser preservada, sob a forma de um livro póstumo, chancelado por instituições públicas cearenses. Em 2000, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, diante dos seus títulos acadêmicos, conferiu-lhe o Certificado de Registro de Qualificação de especialista em Medicina Sanitária. Era também especialista em Clínica Médica pela Sociedade Brasileira da Clínica Médica. Começou a sua atuação profissional, em julho de 1976, logo após a formatura, no Hospital de Aratuba, município serrano situado no maciço de Baturité, Ceará, detentor de uma forte ação social, imprimida pelas Comunidades Eclesiais de Base, sob a influência da Teologia da Libertação, uma corrente de cunho socialista abrigada na Igreja Católica. Nesse vínculo celetista, que perdurou até dezembro de 1978, trabalhou na assistência médica hospitalar e na saúde da comunidade, com atividades de promoção da saúde e de prevenção, apoiando as ações encetadas pela Fundação SESP, nos lugarejos de Aratuba. Sua vivência nessa comunidade foi tão edificante que, para muitos, durante um certo tempo de sua vida, ficou conhecido por “Chico Aratuba”.
Em 1979, aproveitando a oportunidade da pós-graduação em Farmacologia na Unicamp, para sua esposa Helena Serra Azul, aceitou o convite para trabalhar, como médico, na Secretaria Municipal de Saúde de Campinas-SP, para onde carrearia sua experiência de campo, lidando com populações economicamente marginalizadas. Nesse órgão, exerceu as funções de Coordenador do Posto de Saúde do Jardim das Bandeiras, Assessor do Secretário de Saúde e Supervisor Regional de Saúde de Campinas. Ao tempo de sua permanência campineira, foi médico da Prefeitura Municipal de Itapira, prestando atendimento em Posto de Saúde, na forma de plantão, em região rural de assalariados agrícolas, e da Prefeitura Municipal de Paulínia, lotado no Pronto Socorro de Paulínia. O seu engajamento político, indicativo do entrosamento na comunidade de Campinas, fê-lo lograr expressiva votação do eleitorado local, deixando porém de conquistar o cobiçado cargo de vereador à conta do quociente partidário.
Em 1986, retornou ao Ceará, para assumir: o cargo de confiança de Diretor de Assistência Médica, da Secretaria de Saúde do Município de Fortaleza; o contrato de médico do Hospital Geral de Maracanaú; e o cargo de médico concursado da Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, na qual viria a ser Assessor Especial do Secretário de Saúde em 1986 e a partir de 2007.
Em 1990, foi empossado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), como servidor público federal, com enquadramento funcional no regime jurídico único, passando a realizar serviços médicos de vigilância sanitária de Portos e Aeroportos. Por esse organismo era Secretário Geral do SINAGÊNCIAS (Sindicato dos Servidores das Agências de Regulação Nacional), desde 2004, e Presidente da Associação Nacional dos Servidores da Vigilância Sanitária Federal, de 1998 a 2007.
No ano de 1997, guindado ao cargo de Secretário de Saúde do Município de Canindé-CE, foi ele, em grande parte, responsável pela instalação do Programa Saúde da Família (PSF).
Desde 2007, na Secretaria de Saúde do Estado do Ceará (SESA), vinha exercendo a função de Assessor Especial do Secretário de Saúde, acumulando, entre outras atribuições, a de Coordenador da Comissão organizadora do processo simplificado para contratação por tempo determinado de profissionais de saúde, bem assim o de Coordenador de Atenção Integral à Saúde do Homem, em exercício desde agosto de 2009.
Chico Monteiro teve importante atuação direta em fóruns que conduziram à constituição do Sistema Único de Saúde, tendo sido membro da Relatoria das VIII, IX e X Conferências Nacionais de Saúde, e participado de vários conselhos, em diferentes instâncias administrativas, merecendo mencionar os seguintes: membro do Conselho Estadual de Saúde, de 1987 a 1997; membro do Conselho Municipal de Saúde de Fortaleza, em 1998, e de 2004 a 2007; representante titular do Conselho Federal de Medicina junto ao Conselho Nacional de Saúde, de 2002 a 2006; e membro da Comissão Intersetorial de Vigilância Sanitária e Farmacoepidemiologia, em 2009. Francisco das Chagas Dias Monteiro consagrou, igualmente, parte dos seus esforços em prol das melhores condições de trabalho médico, militância começada em 1978, ao integrar o “Movimento Renovação Médica”, com vistas à mudança diretiva do Centro Médico Cearense, então capitaneado no Ceará pelo gentil-homem Paulo Marcelo Martins Rodrigues, sendo essa mobilização considerada embrião e fermento do efervescente movimento das “Diretas Já”, passo fundamental para a redemocratização do Brasil. Sua contribuição se fez presente na condição de Conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará, desde 1988, com mandato que se estenderia até 2013; Vice Presidente, Secretário de Relações Sindicais e Conselheiro Fiscal da Federação Nacional dos Médicos, de 1988 a 2005; Segundo Secretário do Conselho Federal de Medicina, de 1999 a 2002; Presidente do Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará, de 1988 a 1989, e integrante do conselho fiscal desse sindicato, para o mandato de 2009 a 2012. Por sua vinculação ao Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (NESC), lecionou disciplinas “Introdução à Prática Médica” e de “Introdução à Saúde Coletiva”, para várias turmas de Medicina da UFC, na década de 1990. Foi ainda, como representante da comunidade extramuros, membro do Conselho Universitário da UFC, no ano de 2005, dignificando o controle social externo na instituição de ensino superior.
Chico era um homem de ideias, e, sobretudo, do debate em torno de suas convicções, no intuito de convertê-las em ações concretas que resultassem em avanços e conquistas para o SUS, do qual foi um ardoroso defensor, desde o nascedouro, quando se discutia, no País, a Reforma Sanitária, perfilando-se, a esse tempo, ao lado de grandes sanitaristas liderados por Sérgio Arouca. Para isso, ele marcou presença em mais de trezentos eventos, incluindo congressos, jornadas, fóruns etc., figurando, na maior parte das vezes, como expositor ou ativo debatedor, e não um mero espectador dos fatos em marcha.
Ainda que o seu engajamento na atividade acadêmica fosse pontual e transitório, sua produção bibliográfica, constante no seu curriculum vitae, inserido na Plataforma Lattes, até 14/09/2009, dava conta das seguintes cifras: textos em jornais de notícias/revistas (16), trabalhos completos publicados em anais de congressos (23), Resumos publicados em anais de congressos (16) e Resumos publicados em anais de congressos (artigos) (44).
No perfil que traçou de si próprio, em seu currículo Lattes, apontou: “Tem experiência na área de Medicina, com ênfase em Saúde Pública e Clínica Médica, atuando principalmente nos seguintes temas: saúde pública, saúde da família, controle social, medicina preventiva, defesa da qualidade de trabalho e salário na área de saúde”. Em 1991, Francisco Monteiro participou, pela primeira vez, da Antologia Anual editada pela Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – Regional do Ceará (SOBRAMES/CE), e, desde então, com exceção da edição de 2004, tomou parte em todas as antologias, somando 19 participações e acumulando 168 inserções literárias. Atualmente, era membro da Diretoria da SOBRAMES/CE, empossada em 2010. Poeta e escritor, com dois livros de poemas publicados: Sobrevivências (Ao Livro Técnico / Premius, 2002) e Contraponto (Ao Livro Técnico / Premius, 2004), aos quais se juntavam dezenas de figurações em antologias e coletâneas e centenas de poesias inéditas, mantidas em suas gavetas pessoais ou espalhadas em mãos de terceiros. Os prêmios e títulos recebidos foram consistentes, em qualidade, não em profusão que espelhassem a vida dedicada que teve em prol das grandes causas da Saúde Pública brasileira, cabendo explicitar os que se seguem: Paraninfo da Turma de Medicina, Turma de Formandos da Medicina (1996); Votos de Congratulação da Câmara Municipal de Fortaleza, pela recondução na presidência da ANSEVS (2001); Sócio-Honorário da Sociedade Cearense de Medicina de Família (2003); Comenda Sindical Médica do Sindicato dos Médicos do Estado do Ceará (2004); e Menção Honrosa no IX Prêmio Ideal Clube de Literatura, no gênero poesia (2006).
A “dama do forcado” que, em vão, tentara arrebatar-lhe a vida em 2010, voltou à carga, de modo insidioso, sorrateiramente entranhada, pinçando-o, maliciosamente, como as tenazes de um caranguejo, e o subtraindo do mundo dos viventes em 12 de agosto de 2011. Por ironia do destino, a sombria figura, comumente retratada como um esqueleto humano portando uma foice, ceifou-o no auge de sua produção intelectual, exatamente no dia do lançamento do livro “Promovendo a política estadual de atenção integral à saúde do homem: situação de saúde e experiências municipais na atenção à saúde do homem”, obra coordenada pelo médico Francisco Monteiro (Chico Passeata), na qualidade de responsável pelo Projeto de Implantação do Programa de Atenção Integral à Saúde do Homem, da SESA. Marcelo Gurgel Carlos da Silva Professor titular de Saúde Pública-Uece
Da Academia Cearense de Medicina