"MEDECIN... MALGRÉ LUI"
Salvador de Mendonça - O Imparcial, janeiro 1913
Joaquim Manuel de Macedo, o famoso autor d' A Moreninha, exercia a medicina durante o seu tempo de estudante, quando ia a Itaborá, sua cidade natal. Uma vez formado, abandonou a profissão de tal modo, que não se lembrava, às vezes, que era médico.
Certo dia, morreu-lhe em casa uma pretinha, sendo necessário, para enterrá-la, um atestado médico. Distraído, o romancista saiu, e, ao chegar à cidade, encontrou-se com o Barão de Capanema, que perguntou aonde ia. Macedo contou-lhe o que lhe ocorrera em casa, e a sua atrapalhação para o enterro.
- Agora, o pior - terminou - é um médico para o atestado.
- Um médico? - fez Capanema espantado.
E sacudindo-lhe o braço:
- Aqui está um!
E riram, os dois.
ESCRÚPULO DE JUIZ
Medeiros e Albuquerque - Discurso na Academia Brasileira de Letras
Raimundo Correia era de um escrúpulo doentio ao lavrar as suas sentenças de juiz. Certa vez, foi ter-lhe às mãos um processo movido contra Medeiros e Albuquerque por um fornecedor que pretendia receber duas vezes uma conta de novecentos mil réis. Chamado à casa do poeta-magistrado, Medeiros encontrou-o abatido, desolado.
- Sabes - comunicou-lhe Raimundo, há nove noites não durmo por causa deste processo. Vou jurar suspeição.
- Mas, pelos autos, eu tenho ou não tenho razão?
- A conclusão que eu tiro, - informou o autor do Mal Secreto, - é que a razão está contigo. E aí é que está o meu escrúpulo.
- ?...
- Há nove noites eu pergunto a mim mesmo: mas eu acho que o Medeiros tem razão porque tem mesmo, ou é porque o Medeiros é meu amigo?
E passou adiante a papelada.
OS IDÓLATRAS DA CONSTITUIÇÃO
Moreira de Azevedo - Mosaico Brasileiro, pág. 189.
Escolhido senador em 1833, Paula e Sonsa estava no leito, desenganado, em 1851, quando a 15 de agosto lhe foram anunciar que, no dia seguinte, entrava em discussão no Senado um projeto de lei militar, consagrando princípios que a sua palavra sempre condenara.
- Quero ir ao Senado, - disse ele, ansiando: - quero ir ao Senado, e falar pela última vez. Quero protestar, em nome da Constituição, contra o projeto de lei que sujeita paisanos a comissões militares. Talvez possa a voz do moribundo, com o prestígio da morte, impedir semelhante violência.
Nessa mesma tarde, perdeu a fala. No dia seguinte, era enterrado.
O HOMEM E A NATUREZA
Alfredo Pujol - Machado de Assis, pág. 60.
Ao iniciar Machado de Assis a publicação, em folhetins diários, do seu romance A mão e a luva, Francisco Ramos Paz, um dos seus poucos amigos e seu confidente literário, lembrou-lhe a conveniência de descrever, em um dos capítulos da obra, o soberbo parque do Conde de São Mamede, no Cosme Velho.
- A natureza inspirará uma bela página ao teu romance... - disse-lhe.
Machado recusou, porém, de pronto.
- A natureza não me interessa...
E definindo-se:
- O que me interessa é o homem!
TODOS MALUCOS
Tobias Barreto - O Jornal, 5 de dezembro de 1925
Encarregado de promover, na madrugada de 16 de novembro, o embarque da família imperial a bordo do Parnaiba, o coronel Mallet foi desobrigar-se da sua missão, no Paço.
- Que é isto? Então vou embarcar a esta hora da noite? - exclamou o velho Imperador.
Mallet adiantou-se, com ar respeitoso:
- O governo pede a Vossa Majestade que embarque antes da madrugada. Assim convém.
- Que governo? - indagou o monarca.
- O governo da República, - informou o oficial.
- Deodoro também está metido nisso?
- Está, sim senhor; é ele o chefe do governo.
E o Imperador, num espanto:
- Estão todos malucos!...
A NOITE DO DITADOR
Sampaio Ferraz em Ernesto Sena - Deodoro, pág. 165
Na noite de 15 para 16 de novembro, Deodoro piorou consideravelmente da sua dispnéia cardíaca, e recolheu-se ao quarto, padecendo horrivelmente. Aí mesmo recebia os próceres do movimento revolucionário do dia, dando-lhes ordens, apresentando-lhes sugestões.
Nomeado chefe de Polícia, Sampaio Ferraz foi vê-lo nessa noite. Encontrou-o estertorando, numa crise.
- Não sei se amanhecerei! - declarou-lhe o marechal.
E asfixiado:
- Mas, enfim, cumpri o meu dever!
Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927)