Como o Ceará é um Estado com muita história,
mas que tem um povo sem memória. Aí vai uma pequena contribuição para
preservação da nossa rica história.
José Quintino da Cunha
*
Itapajé, 24 de julho de 1875; + Fortaleza, 1º de junho de 1943
Foi advogado, escritor e poeta cearense.
Bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Ceará em 1909, e a partir de então
começou a exercer a profissão de advogado criminalista.
Foi deputado estadual na década de 1910, mas logo
desistiu da carreira de político e encabeçou a campanha do Bode Ioiô para
Vereador de Fortaleza, fazendo o animal tirar votos suficientes para ser
eleito, caso possível fosse.
Ficou bastante conhecido por seu estilo irreverente e
carismático, também lembrado pelas anedotas que contava. É tido como o mais
lendário de nossos humoristas literários, o maior de nossos poetas cults. Excêntrico sem ser snob. Feio mas cativante. Eternamente
esquecido, sempre resgatado, figura ao lado dos grandes mestres do improviso
literário ferino, como Bernard Shaw, Quevedo e Swift, sendo considerado pelo
crítico Agripino Grieco "o maior humorista brasileiro de todos os tempos”.
Menino ainda, Quintino Cunha foi convidado a passar
uns dias das suas férias na casa de dois coleguinhas de colégio. Convite
aceito, viajou até a casa combinada onde deveria hospedar-se por alguns dias,
com os convidantes anfitriões. Lá chegando, não encontrou os colegas que haviam
viajado para outro destino, sem deixar recado. As tias idosas dos meninos,
donas da casa, convidaram-no a ficar e aguardar a chegada dos seus sobrinhos.
Quintino não se fez de rogado e ficou, aceitando o convite! À noite não lhe
ofereceram jantar e nem café, ou almoço no dia seguinte. Ele matou a fome com
as fruteiras do quintal. Resolveu ir embora dali e o fez, deixando um bilhete
sobre a mesa:
“Adeus
casinha da fome,
Nunca mais me verás tu
Criei ferrugem nos dentes
E teia de aranha no cu.”
Nunca mais me verás tu
Criei ferrugem nos dentes
E teia de aranha no cu.”
Já célebre advogado, a fama de Quintino Cunha era
grande no Nordeste.
Tinha havido um crime no interior da Paraíba, onde
pai e filho assassinaram um adversário político. Para defendê-los, convidaram o
célebre causídico. Este fez a defesa com muita propriedade conseguindo a
absolvição dos réus. A cidade fez festa de comemoração pela semana, hospedando
Dr. Quintino no melhor hotel. Sua fama correu rápida por todo o município e o
feito atingiu proporções. Eis que surge no hotel um humilde casal dos sítios
afastados. O marido dirigiu-se ao advogado expondo-lhe o desejo de um desquite,
em face dos desentendimentos do casal. Dr. Quintino então pergunta-lhe se este possui algum
bem, alguma propriedade.
- Não doutor, eu nada “pissuo” e trabalho alugado, em sítios
alheios.
Vira-se
para a esposa e faz-lhe idêntica pergunta, vindo a resposta:
-
Doutor, pra que a verdade lhe seja dita eu ainda tenho menos que ele.
Dr.
Quintino respondeu-lhes em versos:
"A
questão é muito tola!
Aqui mesmo, eu os desquito.
Fique ele com sua rola
E ela com o seu priquito."
Aqui mesmo, eu os desquito.
Fique ele com sua rola
E ela com o seu priquito."
Conhecido
e até hoje contado pelos frequentadores da Praça do Ferreira, o causo da defesa
do deficiente físico conhecido apenas como Francisco, apelidado de “Chico Mêi
Cu”, foi uma das mais famosas proezas de Quintino Cunha. Conta-se que nos idos
anos 20, um pobre deficiente físico, sem pai nem mãe, sem eira nem beira,
mancava pelas ruas do Centro da pequena Fortaleza, onde fazia os biscates que
lhe davam o pouco para o sustento. Encabulado, quieto e calado, aparentava não
dar importância ao canelau que mangava à sua passagem: “Chico Mêi Cu!”, “Chico
Mêi Cu!”, “Chico Mêi Cu!”. Foram anos de chacotas.
Certa
feita, num ato de cólera, Francisco fez uso de uma peça perfilo-cortante que
transportava, e ceifou a vida de um de seus mais ferrenhos mangadores. Foi
detido e de imediato levado à cadeia pública, onde ficou por um tempo
aguardando julgamento.
No
dia do juízo, atendendo às súplicas dos que rogavam pela libertação de
Francisco, em defesa deste, fez-se presente diante do Júri o renomado advogado
Quintino Cunha.
Após
as interlocuções vigorosas da promotoria, que pedia condenação com pena máxima
para o réu, o Juiz deu a vez da defesa, à qual Quintino deu início:
- Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor,
Respeitabilíssimos Jurados. Em defesa de Francisco eu tenho a dizer que... (Pausa).
Após
alguns segundos de pausa, ele repete:
- Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor,
Respeitabilíssimos Jurados.
Em
defesa de Francisco eu tenho a declarar que... (Nova pausa). Após os novos
segundos de pausa, ele torna:
- Meritíssimo Juiz, Ilustríssimo Doutor Promotor,
Respeitabilíssimos Jurados. Em defesa de Francisco eu poderia falar que...
De
imediato o Juiz esbraveja:
-
MAS QUANTA DEMORA! O SENHOR IRÁ OU NÃO DAR INÍCIO À DEFESA?
Ao
que Quintino replica:
- Repare só, Meritíssimo: Não faz sequer um minuto que eu
só me dirijo a vós de forma respeitosa, e já provoquei vossa inquietação. Agora
imagine Vossa Excelência, o que deve ter passado pelas idéias do pobre
Francisco, após todos esses anos de achincalhamento e mangoça pública.
Seguindo,
Quintino Cunha deu continuidade ao discurso de defesa. E com toda a eloquência
e poder de convencimento que lhes eram peculiares, conseguiu a absolvição do
réu. Saiu do tribunal carregado nos braços por seus amigos, rumo ao botequim
mais próximo.
Hoje,
a maioria dos cearenses não sabe que foi Quintino Cunha. Nem mesmo os moradores
do bairro que leva o seu nome o conhecem. Por isso é importante o repasse deste
e-mail, para que a memória do precursor da molecagem cearense não caia no
esquecimento.
Viva
a irreverência cearense! Viva Quintino Cunha!
Fonte:
Internet (circulando por e-mail e sem autoria definida).