SALVANDO A GRAMÁTICA
Domingos Barbosa - Silhuetas, pág. 81
Resolvida a adesão da província ao movimento de 15 de novembro, foi constituída no Maranhão uma Junta Governativa, de que era membro o tribuno Paula Duarte, republicano da propaganda; o major Tavares, representando o elemento militar e o comerciante Francisco Xavier de Carvalho, homem de poucas letras mas de grande seriedade, que entrava, no caso, como delegado do povo.
Ao fim de alguns dias de governo, apareceu na imprensa de São Luiz um manifesto assinado pelos três, admiravelmente escrito, mas que se particularizava, do princípio ao fim, pela violência da linguagem.
Espantado com a assinatura de Paula Duarte naquele documento imprudente, um amigo procurou-o, para estranhar o fato.
- Que podia eu fazer, filho? - observou o tribuno, abrindo os braços. - Que podia eu fazer?
E desculpando-se:
Imagine você que, entre a ignorância e a espada, mal pude salvar a gramática!
AS REVOLUÇÕES DE MARTIM FRANCISCO
José Mariano Filho - O Jornal, 24 de abril de 1927
Nas vésperas da sua morte, em abril de 1927, já no leito, dizia Martim Francisco Ribeiro de Andrada a José Mariano Filho, que, como médico, lhe assistia a marcha da moléstia:
- Teu pai, quando se metia numa revolução, punha o meu nome na lista dos revoltosos sem me consultar.
- E o senhor nunca protestou contra esse abuso? indagou José Mariano.
E ele:
- Não. Sempre estive de acordo com ele em matéria de revolução. Até por sinal que na última que organizamos, nós dois fomos os únicos revoltosos...
CORRIGINDO O ENGANO
O Jornal, 24 de abril de 1927
Após a vitória do governo na revolução de São Paulo, e iniciado o período de perseguição aos vencidos, foi Martim Francisco chamado à Polícia Central, para dar explicação sobre a sua conduta durante a ocupação da cidade pelos revoltosos.
- É certo que V. Excia. foi a terceira pessoa que conferenciou com o general Isidoro? - inquiriu a autoridade.
- É mentira! - protestou Martim Francisco. - É mentira o que vieram dizer à Polícia.
E no mesmo tom:
- Fui a primeira!
A ESTRADA
Ernesto Sena - Deodoro, pág. 148
Certo engenheiro, amigo de Deodoro, era candidato à construção de uma estrada de ferro, e dia sim, dia não, aparecia em palácio para falar na sua pretensão. Uma tarde, achava-se o Marechalíssimo nos jardins do Itamarati, quando um oficial que o acompanhava lhe indicou o engenheiro.
Este aproximou-se. Deodoro recebeu-o amavelmente, mas, virando-se para o oficial, adiantou, como quem reata uma conversa:
- Pois, é isso; agora estou resolvido a não conceder mais honras de Coronel do Exército a ninguém; e quanto a estradas de ferro...
E simulando indignação:
- Só darei uma única concessão: e será a que partir do Inferno e vá terminar na casa de quem ma pedir!
É desnecessário dizer que o engenheiro nunca mais tocou no assunto.
O LENÇOL DO PATRIARCA
Moreira de Azevedo - Mosaico Brasileiro, pág. 112
Achava-se José Bonifácio enfermo em Niterói, quando um amigo, que o vira no fastígio político, o foi visitar ali, velho, esquecido, abandonado. Ao penetrar no aposento, notou logo a modéstia do ambiente, e, sobretudo, os remendos do lençol que cobria o leito de pobre.
- Não repare - desculpou-se o patriarca.
E passando a mão pelo lençol:
- O que afeia estes bordados é apenas a irregularidade do desenho...
A CAUDA DO MACACO
Jornais de dezembro de 1925
Uma das medidas visadas pela reforma da Constituição de 1925, era a extinção da cauda dos orçamentos, a qual era aproveitada ordinariamente para autorizações duvidosas e favores pessoais. Não obstante isso, os favores continuaram.
A propósito disso, discutia-se na Comissão de Finanças do Senado, nesse ano, um desses favores, quando um senador observou:
- De nada serviu, então, a supressão da cauda no orçamento!
- Perfeitamente, - concordou o senador Lauro Müller.
E como velho fabulista:
- A cauda foi-se, mas o macaco ficou.
A HONRA E A VIDA
Antônio Ribas - "Perfil de Campos Sales", pág. 21
Não obstante a sua dedicação ao esposo, Dona Ana Gabriela de Campos Sales não suportava sem revolta as acusações feitas ao marido pelos seus adversários. Campos Sales procurava tranqüilizá-la, acalmá-la, dizendo-lhe que política era isso mesmo, e que ela estava no dever de tudo sofrer pela República.
- Não; isso, não! - protestava a esposa.
E na sua indignação:
- A República tem direito à sua vida; mas à sua honra, não!
A EXALTAÇÂO DE CAM
Vieira Fazenda - "Antiqualhas e Memórias", pág. 59
O Conde da Cunha era por natureza desabusado e violento, sem prejuízo dos seus sentimentos de justiça. Administrava ele, um dia, em pessoa, as obras do palácio dos governadores, quando viu subir o morro da Conceição um gordo comerciante, esparramado numa cadeirinha carregada por quatro negros, que suavam em bica, sob o peso formidável do senhor.
Mandando parar a viatura, o Conde intimou o comerciante a deixar a cadeirinha:
- Saia!
E ordenando a um dos pretos mais fatigados de carregá-la:
- Entre você!
E para o comerciante:
- Agora pegue ali no pau com os outros, e carregue o preto!
O comerciante obedeceu. Uma semana depois, porém, morria, não se sabe se ao peso da cadeira, ou da vergonha de que se cobriu.
Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927)