segunda-feira, 31 de maio de 2021

TOTALITARISMO SOB O PROTESTO DE COMBATER A PANDEMIA

Por Antonio Jorge Pereira Jr. (*)

“Temos de lutar contra o totalitarismo. Contra qualquer forma de totalitarismo". Isso disse Albert Camus a Jean-Paul Sartre em um dos últimos diálogos entre ambos.

Diferente de Sartre, Camus se recusou a se calar face a uma ideologia que se mostrava contrária à natureza humana.

O totalitarismo se instaura ou se manifesta pelo controle da sociedade e do indivíduo, mediante terror permanente.

A situação da pandemia permite notar como o totalitarismo se reinventa, renovado em suas formas. Aqui assinalamos três delas.

Primeiro, o totalitarismo das Big Techs e dos manipuladores das redes sociais. Em matéria de prevenção e combate à Covid-19, muitos são censurados hoje nas redes e sofrem o cancelamento -postura violenta - por seu pensamento e posicionamento diferente de quem detém o poder de controle.

Muitos dos censuradores se dizem defensores da dignidade humana e da ciência. Na verdade usam de coação e agressão, postura nada científica ou digna.

Parte da mídia também pratica totalitarismo ao tentar controlar a dimensão emocional da população, mediante terror, e manipular as pessoas para um resultado político em meio à pandemia.

No mês de mais óbitos pela Covid, foi assustador notar como certos veículos pareciam comemorar e fazer espetáculo com o número de mortos.

Irresponsavelmente, provocam mais ansiedade e depressão. E tentam atribuir toda a tragédia a um único governante - que tem sua responsabilidade também -com uma narrativa tendenciosa.

Também há totalitarismo dos governantes municipais e estaduais no tema do lockdown. A estratégia, que deveria ser a última, vulgariza-se quase como a única solução.

As pessoas se renderam ao lockdown, dominadas pelo medo da doença e das sanções, contrárias a seus direitos.

A despeito de sua utilidade emergencial, serve ainda para passar à população a responsabilidade que cabe antes aos governantes - no plural - relativamente à preparação do sistema de saúde e ao planejamento inteligente e diligente dos fluxos de trabalho em face da pandemia.

Estamos, assim, vivendo mesmo sob novas espécies de totalitarismo. Como dizia Camus, é preciso reagir contra todos eles. 

(*) Mestre e doutor em Direito. Professor da Pós-Graduação em Direito da Unifor.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 1/4/2021. Opinião. p.28.


domingo, 30 de maio de 2021

VARRENDO AS NUVENS PRESIDENCIAIS

O senhor Lula da Silva assumiu a Presidência da República do Brasil em 2003. Ainda no primeiro ano da administração petista, o Sr. Lula ficou maravilhado com os voos internacionais e embevecido ao ser recebido por reis, rainhas e governantes de outros países. A aeronave herdada do governo anterior, mais conhecida por “Sucatão”, apesar de sua utilidade e da garantia de uso para mais alguns pares de ano, não possuía maior autonomia de voo, exigindo escalas para abastecimento, quando em longos trajetos, com o agravante de não ser muito luxuosa.

Apesar de saber que dirigentes de algumas das nações mais prósperas não dispõem de equipamento próprio para alçar voos, evitando imobilizar capital e gastos correntes de manutenção, e fazem uso normal de aviões de carreira, a vontade da Presidência do Brasil foi imperativa, determinando a compra de um avião mais moderno.

Na época, além de alijar a Embraer do processo licitatório, desprestigiando a notória competência nacional, no campo da concepção e da montagem de aeroplanos de médio porte, o governo optou por privilegiar uma concorrente estrangeira e também por pagar, com o dinheiro do sofrido contribuinte brasileiro, uma exorbitante soma de US$ 55 milhões. Tal valor foi sobejamente majorado pela inclusão de itens de requinte, com um luxo ostensivo, digno de um abastado “sheik” possuidor de poços de petróleo que, no caso, “torra” o seu próprio dinheiro e não o do povo.

O avião da Airbus, um modelo A319CJ, foi produzido e montado em Hamburgo, na Alemanha, já com a pintura de VC1A da Força Aérea Brasileira (FAB), e batizado oficialmente de Santos-Dumont, mas ficou conhecido por “Aerolula”, apelido derivado do capricho presidencial do então dirigente do País.

A tripulação do “Aerolula” é formada pelo Grupo de Transporte Especial (GTE) da FAB, sendo comandada por oficial de alta patente da Aeronáutica, no caso, ocupante do posto de tenente-brigadeiro do ar, o que se induz pensar que o piloto conduza a aeronave em céu de brigadeiro.

O apego de Lula em cruzar os céus, a bordo de um luxuoso equipamento, prenhe em conforto e iguarias, não era menor do que o medo presidencial quando se experimentava turbulências aéreas, ainda que de pequenas magnitude e duração.

Conta-se que, em um episódio de turbulência, o Sr. Lula, tomado de pavor, acionou o botão da sua poltrona que permite chamar o comandante, com quem travou a seguinte conversa:

– O que é isso, companheiro? O que está acontecendo?Indagou o presidente.

– São turbulências, presidente – respondeu o brigadeiro.

– Por que isso está ocorrendo? – Perguntou Lula.

– O céu está bastante nublado. Há muitas nuvens pela nossa frente provocando essas turbulências – explicou o piloto-mor.

– Pois eu quero que você retire essas nuvens da frentedeterminou Lula.

– Como, Sr. Presidente? – Quis saber o comandante, achando a ordem estranha.

– Vá lá fora! Dê um jeito de tirar essas malditas nuvens da nossa frente – cobrou o assustado presidente, já temeroso de ganhar um “paletó de madeira”.

O brigadeiro, que gozava muito da afeição presidencial, arrematou:

– Só se eu for lá fora com uma vassoura para varrer essas nuvens, presidente. O problema é que não temos aqui uma “vassoura” apropriada para isso.

Não foi necessário, no entanto, recorrer aos préstimos de uma vassoura ou de um mega espanador atmosférico porque as nuvens se dissiparam naturalmente, pondo fim às tão temidas turbulências presidenciais e logo o “Aerolula” passou a sorver um “céu de brigadeiro”.

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Ex-Presidente da Sobrames-Ceará

* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Fora de forma! Médicos contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2020. 128p. p.68-70.


QUEM COMEU O CORONEL?

Na internet encontra-se a notícia da prisão de um dono de lanchonete por batizar sanduiches da casa com patentes militares.

Esse fato aconteceu em outubro de 2007, em Penedo-AL, cidade de 60 mil habitantes localizada a 170 km da capital alagoana.

Para o proprietário da lanchonete Mister Burg, tratava-se de uma estratégia de marketing. Porém, para o comandante da Polícia Militar (PM) de Penedo, era uma ofensa à Corporação. Por essa razão, o dono da lanchonete terminou sendo detido por ordem do comandante da PM dessa cidade.

Para o comandante da PM, não ficava bem um consumidor chegar na lanchonete e pedir: “um coronel mal passado”, ou de lá sair dizendo: “acabei de comer um sargento”.

Na delegacia local foi lavrado um boletim de ocorrência e, diante ao tumulto gerado, a lanchonete ficou fechada por algumas horas. Como o delegado de plantão entendeu não haver motivo para prisão, o acusado foi liberado horas mais tarde. Os cardápios da lanchonete foram recolhidos para avaliação e a casa reaberta em seguida.

A casa oferecia no seu cardápio militarizado lanches, como: o “coronel” (que era o filé com presunto), o “comandante” (um prato feito com calabresa frita) etc. O prato mais caro era o “comandante”. O comerciante dizia que não tivera qualquer intenção de brincar ou ofender à Corporação e até intencionava ser uma homenagem à hierarquia militar.

Para o parco humor dos policiais militares, os nomes dos pratos provocavam chacotas e insinuações contra os policiais, entre os moradores da cidade, e repudiaram a suposta homenagem.

O comerciante constituiu um advogado para entrar com uma denúncia contra o comandante local da PM por abuso de autoridade e uma ação reparatória, por dano moral, contra o estado de Alagoas.

Em defesa do seu cliente, o causídico arguiu que inexiste texto legal que impeça um restaurante de inserir no seu menu pratos denominados: “lula à milanesa”, “filé a cavalo” ou “coronel mal passado” etc.

O advogado peticionou habeas corpus preventivo para evitar outra detenção de seu cliente e ainda sustentou na sua peça que “se o argumento do comandante fosse válido, nenhuma festa de criança poderia ter brigadeiro”. Pois, como é sabido, brigadeiro - além de ser a mais alta patente da Aeronáutica - é também o nome de um docinho muito presente nos aniversários infantis.

Os advogados da cidade ironizavam então:Em Penedo, comer brigadeiro pode, mas comer coronel está proibido”.

Fontes: Consultor Jurídico, 12/10/2007, e Blog do Candango.

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Ex-Presidente da Sobrames-Ceará

* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Fora de forma! Médicos contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2020. 128p. p.66-68.

sábado, 29 de maio de 2021

INFÂNCIA EM TEMPO DE PANDEMIA

Por Juliana Andrade Lima (*)

São notórias as mudanças que o contexto da pandemia do novo coronavírus trouxe para a vida das pessoas. Devido à sua complexidade, algumas repercussões surgiram com relação aos processos de adoção o que tiveram que passar por adaptações importantes em todas as suas fases.

Com as limitações ocasionadas pela pandemia buscou-se dar agilidade, em todas as instâncias, aos processos que envolvem crianças e adolescentes. Procedimentos de habilitação para inscrição no Sistema Nacional de Adoção, estágios de convivência, bem como demais processos judiciais - não só de adoção - diante da possibilidade de crianças e adolescentes retornem às famílias de origem ou sendo aptas para adoção (após destituição do poder familiar) sejam colocadas em família substituta. Todo empenho por parte do sistema de justiça objetiva abreviar o tempo de institucionalização e garantir o direito à convivência familiar e comunitária.

Vale frisar que o tempo - mesmo em cenário tão avassalador como o da Covid-19 - continua sendo fator determinante para crianças e adolescentes. Podemos trazer a dificuldade com relação às adoções tardias em que a demora pode significar perda de uma chance, embora, não se possa abrir mão de uma condução responsável e criteriosa como estabelece o ECA.

Com isso, mesmo com o isolamento social as unidades de acolhimento, sob orientação da Defensoria Pública e do Poder Judiciário, tiveram que usar recursos como ligações e videochamadas para garantir a comunicação dos acolhidos com familiares e pretendentes e assim continuar trabalhando manutenção e fortalecimento dos vínculos afetivos tão importantes para o desenvolvimento da personalidade de toda criança e adolescente.

Em 2020, defensoras e defensores públicos que atuam tanto nas Varas da Infância e Juventude quanto em núcleos especializados nessa área, realizaram em Fortaleza, mais de 25 mil atuações, sempre afirmando e reafirmando, a partir da função institucional da Defensoria Pública de defender direitos individuais e coletivos de grupos socialmente vulneráveis, a prioridade absoluta que norteia os direitos de crianças e adolescentes. 

(*) Defensora Pública.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 29/03/21. Opinião, p.22.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Crônica: “Dalai Lima” ... e outros causos

Dalai Lima

De batismo, é Dalai Lama Lima, dos Lima do Boqueirão do Cesário. O nome é invenção da mãe Vanderléa Adriany, metida a espiritualizada. Hoje "com 17 ano interado", o jovem tem umas arrumações invocadas. Quando vê uma tijubina (calango ou briba), leva a mão ao peito e passa oito minutos conversando com o bolso esquerdo da calça. Dizem que Dalai Lima é...

- Doido! O menino da Vanderléa tem o juízo no canto certo não! – conclui um tio.

Verdade seja dita: em noite de lua cheia, Dalai Lima exterioriza poder quase sobrenatural: janta mingau de arrozina com uma coisinha de barro, qual fosse canela; empurra o pau a cantar mantras nunca dantes tocados na "rádia" local (em casa, ninguém sabe que praga é essa de mantra); e faz uma zoada assim, à moda "mutuca da boca torta empanzinada", como diz um tio dele:

- Uuummm! Uuummm! Bicho sem vintura é anum! Uuummm! Uuummm!

Mais seguro que papagaio no arame, totalmente avesso à "ricuruta" (briga, mão de tabefe), Dalai Lima tomou chá de sumiço e ninguém mais deu notícia dele no Boqueirão. Foi fazer morada nos Sítios Novos. Quengo raspado no zero, trocou o mingau por sopa de saraça, é avesso a banho e tá cheio de filosofias de vida:

"Seja a tua vontade de reagir a um cascudo do tamanho do mijador duma piôlha".

"Em vez de cair no pranto de choro, engula o motivo".

"Ao pegar na mão de São Pedro (morrer) diga-lhe: tô ariado, Pedim!"

"Sem ti, mental eu sou..."

Terra de dotô!

Bom demais conversar potoca com Jair Morais. Derradeiro encontro nosso foi na padaria, tomando café com rosca. O Poeta dos Cachorros sabe tudo, pode encangar assunto. E aí, Jair, como fazer para acabar com a carestia no mêi do mundo?

- Eu acho o seguinte: compra tudo pela metade. Fiado!

- E essa vacina que não chega?

- Na minha mente, a gororoba já tá pronta, falta só o vidrinho (pra botar ela).

- E a Amazônia ardendo em chamas?

- Eu tenho pra mim que o hômi não é mais burro porque é só um.

- E o Donald Trump?

- Eu dou por vista um homem desses com uma peixeira nos quartos!

Ouvido e nariz absolutos

O sujeito que tem a categoria de reconhecer uma nota musical saída de um rói-rói sem uma referência anterior, algo que sirva de parâmetro, é altamente marrumeno - "ouvido absoluto". "Uma em cada 10 mil pessoas nasce com a habilidade", informa a Super Interessante. Ou seja, quanto menos cera, mais sustenido.

Coisa d’outras vidas, escola nenhuma ensina. Sardinha, amigo e irmão, tem isso e chega a incomodar – muriçoca desafinada leva beliscão na rede. Com ele, Mozart, Hermeto Pascoal, Stevie Wonder, Chico Brown (neto do Chico Buarque, filho de Helena e do Carlinhos). Arrastado de penico, por menos dó que dê, dizem no ato a nota.

Mas nem só de ouvido vive o homem. De acordo com a "Babau Magazine", dois em cada 17 mil bichos de orelha vêm aparelhado com "nariz absoluto". O velho Licó tem isso. Mais que provação, uma verdadeira expiação. Fala, Licó:

- Sabe o que é sentir catinga de virilha com enxofre vencido, usando máscara, numa loja de perfume, chupando chiclete e com uma gripe lascada? Eu sinto!

Fonte: O POVO, de 11/12/2020. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

PRIORIDADE PARA VACINAÇÃO DE PACIENTES ONCOLÓGICOS

Por Luísa Edla Renata C. Cavalcante (*)

A pandemia do novo coronavírus lança reflexões acerca dos pacientes em tratamento de câncer. Igualmente aos idosos, eles devem ser vacinados, estejam em uso de quimioterapia, imunoterapia, hormonioterapia ou de terapia-alvo.

Estudos avaliaram o maior índice de mortalidade do paciente oncológico que contraiu o novo coronavírus, comparativamente à população geral, evidenciando-se uma taxa que varia entre 15% a 40% a mais.

E atentemos para dois fatos: pacientes oncológicos que iniciam tratamento antitumoral fazem-no de forma incompleta por acharem que vão reduzir a exposição hospitalar ao vírus; ao contrário, aumenta é o risco de recaída em curto ou médio prazo.

Segundo: a evidência, em estudos brasileiros, de que o medo à exposição ao novo coronavírus leva algumas pessoas a não realizem os exames preventivos preconizados pela Sociedade Americana de Oncologia (ASCO) e pela Sociedade Brasileira de Oncologia (SBOC), entre elas a mamografia anual, o Papanicolau e a colonoscopia a partir dos 45 anos.

Em pacientes com câncer de mama, atual ou prévio, priorize-se a aplicação da vacina no braço oposto ao local afetado, o que provavelmente ajudará a melhorar a sua resposta imunológica e diminuir o potencial aumento de linfonodos axilares, resultado talvez de reação adversa, podendo falsear exames, rastreamento ou até o estadiamento até seis semanas após a imunização.

Aos pacientes que realizaram cirurgias oncológicas, sugere-se aguardar duas semanas para a imunização, devido à resposta inflamatória mais exacerbada decorrente da manipulação cirúrgica.

Sobre as vacinas disponíveis no Brasil até o momento, a CoronaVac (Instituto Butantan), em parceria com o laboratório Sinovac, e a Oxford-AstraZeneca (Fiocruz), são seguras e eficazes. Foi o que levou a SBOC a enviar carta ao Ministério da Saúde, solicitando a inclusão dos pacientes oncológicos nos grupos prioritários, mais vulneráveis a complicações pela Covid-19.

Neste momento de aclive da onda pandêmica, os grupos prioritários devem se vacinar e manter as medidas de proteção, com higienização constante das mãos, uso de máscara e evitar aglomerações.

(*) Médica.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 15/4/21. Opinião, p.18.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

OS REFLEXOS DA PANDEMIA NA SAÚDE MENTAL

Por Luísa Weber Bisol (*)

A pandemia de Covid-19 traz efeitos deletérios sobre saúde, bem-estar e qualidade de vida das pessoas. Além do impacto negativo sobre a saúde física e de possuir implicações econômicas e sociais, há aspectos afetando a saúde mental das pessoas.

Paralelamente à pandemia, gera preocupação a possibilidade de enfrentarmos uma epidemia de transtornos mentais como nunca presenciada na história da humanidade.

O clima de incerteza e insegurança somado a medo de contágio, isolamento social e estresse financeiro em pessoas vulneráveis podem acarretar transtornos depressivos, de ansiedade, relacionados ao uso de álcool e substâncias, transtorno de estresse pós-traumático, entre outros.

A morte devido à Covid-19 traz consigo a crueldade do isolamento. A impossibilidade de estar junto aos entes queridos na hora da morte pode acarretar um processo de luto complicado para familiares.

A preocupação relativa ao aumento exponencial de indivíduos acometidos por transtornos depressivos tem focado em alguns grupos que parecem suscetíveis: aqueles previamente acometidos por algum transtorno mental, indivíduos pouco resilientes, aqueles que residem em áreas com alta prevalência de Covid-19, aqueles que se contaminaram ou perderam entes queridos em decorrência da pandemia, idosos, profissionais da saúde que atuam na linha de frente...

Em nosso meio há o temor que seja necessário enfrentar dois colapsos: dos serviços de emergência e terapia intensiva e dos serviços de saúde mental. Anterior à pandemia, a sociedade já lidava com a escassez de recursos humanos e físicos para atender a demanda que já era grande e que infelizmente tende a aumentar.

O combate ao estigma que cerca os portadores de transtornos mentais e a psiquiatria urge para que os cuidados adequados possam ser ofertados correta e precocemente, evitando complicações graves como o suicídio.

Além do benefício da imunização, a oferta de vacinas para todos pode refletir positivamente na saúde emocional das pessoas, uma vez que traz a sensação de responsabilidade e cuidado dispensados pelos gestores à população. 

(*) Médica psiquiatra. Professora da UFC.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 10/4/21. Opinião, p.14.

terça-feira, 25 de maio de 2021

QUEDA DA ESPERANÇA DE VIDA NO CEARÁ POR COVID-19

O jornal O POVO, em sua edição de 20/4/2021 (Cidades. p.15), publicou a matéria com a manchete "Expectativa de vida no Ceará pode reduzir 2 anos por conta da pandemia", que certamente causou a apreensão em muitos leitores desse importante veículo da mídia cearense.

A matéria em epígrafe foi fruto de um artigo "pre-print" intitulado "Reduction in the 2020 Life Expectancy in Brasil after Covid-19" ou (Redução da expectativa de vida 2020 no Brasil após a Covid-19), cuja primeira autora é a prestigiada pesquisadora Márcia Castro, portadora dos diplomas de Mestrado em Demografia pelo Cedeplar e doutorado (PhD) em Demografia pela Universidade de Princeton.

A brasileira Márcia Castro é professora de Demografia e Chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard.

A vida média dos brasileiros poderá sofrer queda por conta da pandemia de Covid-19. O estudo estimou um declínio na expectativa de vida do brasileiro da ordem de 1,94 anos, resultando em regressão da mortalidade no Brasil aos níveis de 2009, pondo fim um ciclo de décadas de constante crescimento da esperança de vida ao nascer.

Especificamente para o Ceará, segundo Castro et al., a estimativa é de um declínio de 2,09 anos, passando a expectativa de vida de 74,68 anos para 72,59 anos, em decorrência da presente pandemia; para o estado de São Paulo a retração ficaria em 2,17 anos.

No mesmo dia 20/04/2021, o UOL, de São Paulo, publicou postagem dando conta de que a expectativa de vida ao nascer no estado paulista diminuiu um ano em 2020, caindo de 76,4 anos em 1979 para 75,4 anos em 2000, de acordo com um estudo divulgado pela Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), retrocedendo ao nível observado há sete anos, entre os anos de 2012 e 2013.

Considerando que o estado de São Paulo, até 2019, experimentava a cada ano um aumento de mais ou menos dois meses em sua esperança de vida ao nascer, a diferença de 1,17 verificada nos valores dos dois estudos é de grande monta.

Ambas as fontes são consideradas confiáveis e cientificamente respeitadas, mas os achados tão díspares podem ser resultantes de diferenças metodológicas ou nos dados originais levantados em cada trabalho.

Passada a pandemia, convém quantificar o quanto se perdeu em anos de vida dos brasileiros em geral e dos cearenses em particular. 

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Professor titular de Saúde Pública-Uece

Fonte: Publicado In: O Povo, de 2/04/2020. Opinião. p. 21.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

DOIS JOVENS E UMA JOVEM

Por Luiz Gonzaga Fonseca Mota (*)

A fábula constante desse texto, além de mostrar uma atitude passional, reflete o comportamento de dois jovens: um, insensato e arrogante; o outro, cauteloso e racional. Nancy era uma moça muito bonita, atraente e sóbria, pois agia de forma contida e disciplinada. Smith e Ryan gostariam de conseguir a simpatia da jovem. Certo dia, ela estava na calçada de casa, sentada numa cadeira de balanço, esperando que o pai retornasse do trabalho, pois o relógio já marcava 17 horas. Estava lendo o livro “As meninas e o poeta” do escritor nordestino, de Pernambuco, Manuel Bandeira. Lindas poesias que o poeta escreveu para crianças, jovens e senhoras da sua amizade. Smith, o vaidoso, chegou próximo a Nancy e disse: levante-se e vamos ao cinema. No momento também chegou Ryan, o sensato, e perguntou à moça que livro ela estava lendo. Smith não gostou da presença do jovem Ryan e o ameaçou fisicamente. Era evidente que o jovem Smith possuía por Nancy apenas uma paixão sensual, enquanto o outro semeava amor no seu coração. Foram as vias de fato, sob o olhar perplexo de Nancy. O humilde Ryan, como era de se esperar, levou a pior. Nesse instante, chega o pai da moça. Percebendo a cena, interveio em favor do jovem possuidor de bom caráter. Expulsou do local mediante golpes e bofetadas o arrogante Smith. O pai de Nancy era lutador de karatê e professor de artes marciais. Enquanto isso, a bela jovem fazia alguns curativos e colocava bolsa de gelo no rapaz agredido. Após agradecer ao pai de Nancy, perguntou-lhe se seria possível ela ler algumas poesias de Manuel Bandeira. Sem dúvida, com muito prazer, respondeu a jovem. Vou ler um belo poema: “Duas Marias” (3 estrofes) _1. Duas Marias: Cristina; e sua gêmea Isabel. A ambas saúda e se assina; Servo e admirador Manuel. /2. Pincel que pintar Cristina; Tem que pintar Isabel. Se o pintor for o Candinho; Então é a sopa no mel. /3. Dorme sem susto, Cristina; Dorme sem medo, Isabel. Nossa Senhora vos nina; Ao pé está o Anjo Gabriel. Assim ocorreu entre Nancy e Ryan o início de um namoro que se transformou num amor sincero. Moral da fábula: sempre ocorre a vitória dos humildes sobre os soberbos.

(*) Economista. Professor aposentado da UFC. Ex-governador do Ceará.

Fonte: Diário do Nordeste, Ideias. 7/5/2021.

domingo, 23 de maio de 2021

LIVRO DE PRESENTE AO PRESIDENTE COSTA E SILVA

Segundo Emiliano Otelo de Sousa, presidentes com pouca afinidade com a leitura, lamentavelmente, não constituem raridade na história do Brasil. O ex-presidente Lula, no período de seu encarceramento curitibano, cumprindo a pena que lhe fora imposta em segunda instância por crime de corrupção, teria folheado as páginas de uns 40 títulos. Sabe-se que, no percurso dos seus mais de 70 anos de homem livre, o petista se orgulhava de nunca ter lido um livro até o final. Diante de tão insólita proclamação, seus defensores vinham em seu socorro, alegando que ele não precisava ler os livros porque mantinha a interlocução diretamente com os autores das obras, o que dispensava a necessidade de ler tais obras.

Recuando ao tempo do regime castrense brasileiro, vale lembrar da figura do Gal. Artur da Costa e Silva, rotulado por seus desafetos de possuidor de uma “sesquipedal ignorância”.

Quando aluno das escolas militares, Costa e Silva era notável por ser um típico “papirador”, assim denominado o aluno que se devotava aos estudos para obter boas notas em provas e exames. Apesar do bom rendimento escolar, consta que ele nunca tivera grande apreço pelos livros.

Emiliano de Sousa dá ciência ainda no Jornal de Taquari que, certa vez, na sua residência em Teresópolis-RJ, o ex-presidente Ernesto Geisel, depois de registrar a excelência acadêmica do filho de Taquari nas escolas militares, contou ao showman Jô Soares um causo relacionado ao presidente responsável pela edição do Ato Institucional Nº 5 (AI-5).

Geisel relatou que Costa e Silva estava aniversariando e um dos seus amigos militares sugeriu dar-lhe um livro de presente, ao que outro colega de farda contestou a oferta:

– Um livro não pode.

– Mas por quê? – Insistiu o proponente do regalo.

– Porque ele já tem um livro – retrucou, maldosamente, o companheiro de armas.

Pelo que se tem observado de alguns recentes presidentes civis do Brasil a inimizade com os livros parece ser fato corriqueiro. A Sra. Dilma Rousseff, cujos causos foram e ainda vêm aos borbotões, falava que havia comprado e estava lendo alguns livros, mas não conseguiu citar um só dos títulos dessas obras, quando foi questionada pela imprensa. O atual presidente Bolsonaro não tem ou, quiçá, não transparece ter qualquer afeição aos livros. Dele, recentemente, brotou uma “pérola” que até parecia ter saído da boca de sua presidencial antecessora, ao se reportar aos livros didáticos como um “amontoado de coisas escritas”.

Fonte: https://jornalotaquaryense.com/2020/05/27/opiniao-costa-e-silva-lula-bolsonaro-e-os-livros/

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Ex-Presidente da Sobrames-Ceará

* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Fora de forma! Médicos contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2020. 128p. p.65-66.

A ALTURA DO BRASIL PARA O PRESIDENTE

O general de exército Artur da Costa e Silva, nascido em Taquari-RS em 3/10/1899 e falecido no Rio de Janeiro em 27 de dezembro de 1969, foi o 27º presidente brasileiro e o segundo do regime militar pós-1964.

Quando aluno das escolas militares, Costa e Silva se notabilizara por ser um estudante que se dedicava aos estudos com vistas à obtenção de boas notas em exames e provas. Em que pese o seu bom rendimento escolar, ele não era igualmente bem visto por seus desafetos como muito provido de inteligência.

Emiliano Otelo de Sousa narrou no Jornal de Taquari uma historinha sobre Costa e Silva. Diz ele que, em viagem de avião para a Europa, o presidente perguntou ao piloto onde estavam naquele momento.

O comandante do avião explicou-lhe que, três horas após a decolagem, estavam sobrevoando o Ceará, a 30 mil pés de altura. Costa e Silva, admirado, teria então confessado:

– Eu sabia que o Brasil era grande, mas não sabia que era tão alto!

Fonte: https://jornalotaquaryense.com/2020/05/27/opiniao-costa-e-silva-lula-bolsonaro-e-os-livros/

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Ex-Presidente da Sobrames-Ceará

* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Fora de forma! Médicos contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2020. 128p. p.64-65.

sábado, 22 de maio de 2021

A EXPERIÊNCIA MATERNA NA ACADEMIA CEARENSE DE MEDICINA

 

Trinta anos depois da fundação da Faculdade de Medicina do Ceará, inaugurada em 12/05/1948, organizou-se uma nova instituição médica local - a Academia Cearense de Medicina (ACM), criada com o propósito maior de zelar pela História da Medicina no Ceará.

A ACM foi constituída por 26 sócios fundadores, escolhidos dentre médicos renomados e de méritos reconhecidos, para ocuparem as cadeiras, cujos patronos eram médicos falecidos, com valiosas contribuições à Medicina do Ceará.

Instalada em 12/05/1978, no Jubileu de Pérola da Faculdade de Medicina do Ceará, a ACM empossou, na ocasião, os seus fundadores e primeiros ocupantes das cadeiras.

Os primeiros ocupantes de cadeiras, assim como seus respectivos patronos, eram todos homens, configurando um fato aparentemente inusitado. A ausência de mulheres acadêmicas guardava consonância com a hegemonia masculina dos médicos daquela época e com o dispositivo estatutário que requeria 25 anos de formado para a admissão na ACM.

Embora a primeira turma formada no Ceará, a de 1953, fosse constituída por duas mulheres e apenas um homem, em maio de 1978 não havia médicas com o tempo mínimo de formatura para admissão, tanto de egressas da Universidade Federal do Ceará (UFC) como de outras faculdades de fora, porquanto era difícil uma jovem sair para cursar Medicina fora daqui.

A primeira mulher admitida na ACM foi a Acad. Glaura Ferrer Martins, que tomou posse em 15/09/89; a segunda foi Maria Gonzaga Pinheiro, empossada em 12/05/95 (falecida em 6/01/10), e a terceira, Maria (Helena) da Silva Pitombeira, admitida em 14/05/99.

Na primeira década do atual milênio, outras três médicas foram empossadas nessa arcádia: Lúcia Maria Alcântara de Albuquerque (24/11/05), Adriana Costa e Forti (13/05/05) e Lise Mary Alves de Lima (20/01/07).

Na última década, a ACM viu enriquecer o seu quadro feminino com a chegada de cinco novas acadêmicas: Maria Zélia Petrola Jorge Bezerra (18/11/11), Ana Margarida Arruda Rosemberg (14/11/14), Márcia Alcântara (29/04/16), Maria dos Prazeres Ferreira Rabelo (13/09/19) e Sara Lúcia Ferreira Cavalcante (25/10/19).

Ao todo, 11 mulheres foram eleitas e empossadas na ACM, das quais dez seguem vivas entre nós e dessas, duas passaram recentemente para o quadro de membros honoráveis. As atuais oito confreiras abrilhantam o silogeu médico cearense com suas presenças, conferindo um toque muito especial oriundo dos bons atributos femininos.

Com exceção de duas inuptas, quase todas as nossas confreiras, como filhas de Eva, experimentaram o sacrossanto postulado bíblico de gerar filhos entre dores do parto, mas não ficaram dissociadas da obrigação adâmica apregoada no Gênesis, porquanto comeram o pão com o suor dos seus rostos, nelas aliando as funções sócio-expressivas e provedoras.

A Acad. Glaura Ferrer, cardiologista e professora da UFC, gerou Luiz (advogado), Roberto (bacharel em Direito) e Fernando (marchand / antiquário).

A Acad. Helena Pitombeira, hematologista e professora da UFC, é mãe da Maria Helena (infectologista).

A Acad. Lúcia Alcântara, médica radioterapeuta, foi contemplada com dois filhos engenheiros: Ciro (engenheiro civil) e Carlos (engenheiro aeronáutico).

A Acad. Adriana Costa e Forti, endocrinologista e professora da UFC, trouxe ao mundo o Cássio (administrador e economista) e o Márcio (administrador e advogado).

A Acad. Zélia Petrola foi aquinhoada por três filhos vocacionados para a Medicina: Rachel, (patologista clínica/hematologista), João Evangelista Neto (oncologista) e Paulo (cirurgião torácico).

A Acad. Ana Margarida Rosemberg é mãe de Jana (pedagoga e fotógrafa profissional), Daniel (médico com especialização em patologia e em radiologia) e Liana (psicóloga).

A Acad. Márcia Alcântara teve os filhos Marcelo (pneumologista), Vanessa (jornalista) e Alexandre (médico de família).

A Acad. Maria dos Prazeres Rabelo, pediatra e endocrinologista pediátrica, deu à luz às filhas Helena (fonoaudióloga) e Cristina (reumatologista) e ao filho Paulo (advogado).

A Acad. Sara Cavalcante, anestesiologista e professora da UFC, foi brindada com três filhos: Raquel (otorrinolaringologista), Deborah (Juíza de Direito) e Aníbal (professor universitário).

Ao todo, nove confreiras procriaram 23 rebentos que se distribuíram em diversificadas profissões, comportando salientar que nove deles se tornaram médicos, abraçando a arte hipocrática, seguindo o exemplo de suas genitoras que sempre souberam exercer bem a profissão, sem se descurar dos compromissos inerentes à maternidade.

Hoje, com todos os filhos criados e profissionalmente encaminhados, elas são mães duplamente, como mães dos filhos de seus filhos, cultivando a arte de serem avós, zelando por uma herança recebida que, segundo Raquel de Queiroz, “se ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu...” e ainda encontram tempo para devotar ao salutar convívio fraternal na ACM.

Feliz Dia das Mães, caríssimas confreiras!

Acad. Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Da Academia Cearense de Medicina – Cad. 18

*Publicado In: Jornal do médico digital, 2(14): 56-59, maio de 2021. (Revista Médica Independente do Ceará).


sexta-feira, 21 de maio de 2021

Crônica: “Frescando com a morte” ... e outro causo

Frescando com a morte

Mais duas lorotas que me conta o amigo Paraíba, alcunha de Stepherson Macedo Queiroz Jeireissati. A primeira: "Um caba lá da minha terra (Sousa-PB) por nome Gasparzão era desmantelado demais. Um dia sumiu, e tinha já uns 15 anos, sem que ninguém dele tivesse notícias. Supunham que houvesse batido a caçoleta pelaí. Por coincidência, na minha passagem por Sousa, que há tempos não revisitava, me encontro com um familiar dele, que me coloca ao corrente dos fatos.

- Gasparzão desapareceu faz tempo. E a mãe dele, tem três dias que morreu...

Lamentei e segui viagem. De Sousa, direto pro Recife, e de lá pra Catende, a 142km da capital. Ao chegar na dita cidade, qual a primeira cara que me aparece? Gasparzão, após 15 anos "desaparecido" e há 3 dias da mãe morta. Tava gordo e cevado. Quando me viu foi uma alegria só. Disse que eu era amigo dele, gente que Deus guarda. Mas fiquei constrangido em dar a notícia da morte da genitora dele, tão feliz que estava. Crei coragem, chamei-o a um canto e falei:

- Amigo, tenho uma coisa pra dizer e não sei como contar...

- Nada me esconda, Stpherson. Desembuche!

- Bem, hoje faz três dias que sua mãe morreu...

Garsparzão, do alto daa cara de pau...

- Que Deus se lembre da alma dela! Sim, Stepherson, mas me diga uma coisa: tu ainda conta muita mentira pro povo se abrir?

Sequer perguntou do que morrera a mãezinha."

A segunda: pegando o morto e segurando

"Morávamos num acampamento do Dnocs, em Sousa, que por esse tempo adquiriu uma ambulância e destacou papai como responsável pelo transporte dos doentes. Ainda novo nessa época, verminoso por direção, eu tirei a carteira de motorista já prevendo guiar aquele carro. Meu velho, com muita idade, nem pestanejava: me entregava a direção. Eu rezava para alguém adoecer.

Nesse acampamento tinha um sujeito muito bruto, Zé Januário, sogro do Sirineu, que estava então muito doente. Era preciso levá-lo pra Campina Grande. O sogrão veio pedir os préstimos de papai, que no ato falou: "A ambulância tá pronta pra viagem, o motorista é Stepherson. Pague a gasolina e tamo conversado!" Fui buscar o Sirineu. Januário botou a gasolina no tanque e o moribundo na ambulância, batendo a porta com tanta força que eu acho que o caba morreu ali. Januário vem na frente comigo.

De Sousa para Campina Grande são 400 km; Patos fica a meio de caminho. Quando chegamos a Patos, paramos para tomar café. O velho desceu e nem aí pra ver como estava o genro lascado. Tomamos o café. Já nos preparando pra prosseguir viagem, resolvi dar uma olhada no doente. Sirineu estava com as unhas roxas, o pé bem geladinho, o olho meio aberto. Pensei: "Ele morreu! E agora? Como vou contar pra Zé Januário?". Criei coragem e despachei:

- Seu Zé, o Sirineu... morreu! Vamos voltar pra Sousa agora!

- Voltar? Não senhor! Já coloquei a gasolina, agora nós vamos até Campina.

Rodamos mais 200km com o cara morto no carro. Chegando a Campina Grande, e Januário foi fazer compras na feira. Ainda ponderei:

- Seu Zé, vamos ao menos passar um telegrama pra família, avisando.

E o velho, bruto que nem lixa número 2...

- Negativo! Vamos fazer uma surpresa!

Fonte: O POVO, de 27/11/2020. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

quinta-feira, 20 de maio de 2021

#VAIDARCERTO

Por Sofia Lerche Vieira (*)

Em 25 de março de 2021, dia em que o Ceará poderia estar celebrando sua data magna, O POVO estampou uma manchete há dias esperada: "uma tragédia imensurável - Brasil atinge marca de 300 mil mortes pela Covid-19". Sinais dessa tragédia estão por toda parte. Para onde quer que se dirija o olhar, parece haver sofrimento, luto e dor.

O que fazer para sobreviver emocionalmente a tamanho estresse? Em circunstâncias como as que ora atravessamos, mensagens de otimismo acalentam a alma. Se assim é em rotas de normalidade, o que dizer de dias tristes como estes que vivemos?

A popular expressão "vai dar certo" incorporada pelo presidente do sistema Unimed e adotada pela cidade como hashtag é uma expressão desse sentimento. Em tempos de sofrimento profundo, buscamos consolo e alento. Palavras de luz ajudam a caminhar. Os relatos diários do Dr. Elias Bezerra Leite sobre o avanço da pandemia na rede sob sua gestão apresentam informações importantes: os números da tragédia e a reinvenção diária de um equipamento de saúde, que se adapta para abrigar mais e mais pacientes. Saber que as portas de um hospital continuarão abertas é tudo que quer ouvir um coração atormentado pelo medo. Acima e além das informações, porém, está o sentimento de empatia que suas lives diárias despertam.

A empatia, esta virtude rara de colocar-se no lugar do outro e exercer aquilo que há de mais humano em nós, é característica essencial aos que exercem funções de liderança. Os gestores maiores da crise sanitária no Ceará - o governador Camilo e o secretário Cabeto - têm evidenciado essa capacidade. Lúcidos e serenos, apesar das críticas de segmentos mais atingidos pela recessão econômica, ambos seguem à frente, incansáveis. Comprovam, assim, que se a história os escolheu para o mais árduo dos desafios, seus perfis de coragem hão de permanecer na memória do tempo e dos dias que virão.

Se vai dar certo, na verdade, não sabemos. Fato é que precisamos de otimismo para não morrer. E o mantra do Dr. Elias é inspirador. 

(*) Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uece e consultora da FGV-RJ.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 29/03/21. Opinião, p.22.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

A SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE FORTALEZA

Por Vladimir Spinelli Chagas (*)

Em 1861, era inaugurada a Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, com 80 leitos disponíveis para uma população que, segundo relatos de época, não ultrapassaria 25 mil habitantes.

A sua atuação sempre foi reconhecida como um trabalho benemerente de largo alcance social, como foi a sua participação no grande flagelo da seca de 1915, esta imortalizada na grande obra da nossa cearense Rachel de Queiroz, "O Quinze".

A devoção em servir levou-a, já em 1925, a adquirir e implantar o primeiro sistema de radiologia do Ceará, com a instalação de um aparelho de Raio-X.

No seu primeiro centenário, a Santa Casa já havia agregado novos leitos, somando então 300 deles. Já os 110 anos foram festejados com a inauguração do seu Centro Cirúrgico, levando-a a liderar, no Ceará, diversos tipos de cirurgias. Naquele ano, a Santa Casa já tinha se desligado da Arquidiocese de Fortaleza.

Deu um novo grande passo quando, nos anos 80s, passou a atender pacientes do Sistema Único de Saúde - SUS, ainda hoje o maior percentual de atendimentos (95% dos 421 leitos), reforçando a característica social abraçada desde o começo.

Essa opção por pacientes do SUS, de outro lado, obviamente que desequilibra a relação receitas x despesas, tendo em vista que são valores sabidamente reduzidos.

Assim, a Santa Casa tem se dedicado à captação de recursos por outras fontes, como parcerias e doações, de forma a manter investimentos adequados ao cumprimento de sua missão de assistência à saúde resolutiva e disseminação de conhecimentos.

A Santa Casa almeja ser reconhecida pela sociedade por uma imensa lista de serviços prestados com qualidade e dedicação e, para isso, desenvolve um ambiente de trabalho que valoriza os seus atuais 886 colaboradores.

Com isto, no ano de 2020 alcançou números gratificantes, com cerca de 33 mil acolhimentos, 10 mil cirurgias, 200 mil exames, 23 mil hemodiálises e 10 mil quimioterapias.

Fica aqui, então, um desafio aos governos, para ampliarem seus apoios, que revertem no bem da população que representam e à sociedade, na forma de também aumentarem as suas doações voluntárias e indispensáveis. 

(*) Professor da Uece, membro da Academia Cearense de Administração (Acad) e conselheiro do CRA-CE.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 29/3/21. Opinião, p.22.

 

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