Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
…apesar de respeitar a opinião de cada pessoa, a apreciação é
um evento emocional e os acontecimentos — sejam bons ou ruins— são fidedignos.
Como médico ou simples cidadão tenho por obrigação alertar sobre o agravamento
dessa negação à vacinação.
Aqui no Brasil estamos
aceitando a polarização política. Raiva, brigas, famílias se decompondo,
antigas amizades apartadas, muitos deus-nos-acuda motivados por diferenças
ideológicas ou políticas. Virou um “nós contra eles” agudíssimo, fora de
ocasião e destrutivo. Muitos estão sofrendo o impacto desses debates que, em
muitos casos, afetam a própria saúde psicossomática. Lembro sermos seres
gregários (animais que vivem em grupo e se juntam por instinto ou, se
desejarem, por natureza). A nossa própria família de origem é exemplo meridiano
dessa tendência.
Escrevo este artigo como
simples cidadão brasileiro e médico, sem acusar a mídia como a única culpada
por tamanha balbúrdia entre nossas diferenças individuais, ainda que dentro do
mesmo grupo social.
Percorramos o fato de tomar ou
não tomar vacina?
Para uma tentativa de resposta,
afirmo: apesar de respeitar a opinião de cada pessoa, a apreciação é um evento
emocional e os acontecimentos — sejam bons ou ruins— são fidedignos. Como
médico ou simples cidadão tenho por obrigação alertar sobre o agravamento dessa
negação à vacinação.
Passeando por Sigmund Freud,
gostaria primeiro, de lembrar… as conhecidas personalidades narcísicas que
admiram exageradamente sua imagem e nutrem uma paixão por si mesmo – e
adiciono: não aceitam opinião que divirja da sua.
Não mudam, nem diante dos
fatos. Por suas opiniões, próprias ou herdadas do grupo ao qual avaliam
pertencer e no caso particular das “polarizações políticas”, tornam-se arautos
de negatividades e desesperanças que agridem nosso maior bem que é a Vida
Humana.
Para esses enviesados pouco
importam as evidências acumuladas. Pouco lhes importa se a polarização
política traz como consequência a ausência de empatia de um para com o outro.
Cautela, leitor, quanto às generalizações, elas são sempre muito
perigosas. No caso, essa dicotomia é uma forma de narcisismo – separa o
seu Eu dos outros, como se você fosse um gigante da moralidade, talvez o único
ser perfeito na face da Terra.
Será que você é algum anjo?
Algum enviado do Senhor? Um descrente da ciência ou niilista político que, como
tal, deseja fundamentalmente a destruição de todas as forças políticas,
religiosas e sociais que, na verdade, são essenciais para um futuro melhor. E
acrescento: se todo mundo não presta e o único certo é aquele que generaliza o
tal de ‘politicamente correto’, ele próprio termina por ficar paralisado e vai
para casa. Tem medo de ser rejeitado pelo seu grupo. Desiste de lutar. Fica
enclausurado em um conformismo individualista e, pior, não se junta aos homens
e mulheres de bem para lutar contra a Pandemia. Fica conformado em nada mudar.
Não tem jeito. E não tem mesmo jeito, o mundo é todo imperfeito, como é
possível alguém ficar dizendo para si mesmo:— detenho dentro de mim toda a
Moral e toda a Ética? Sou um Ser perfeito e único! Se todos e tudo
são imperfeitos e eu sou o único perfeito, para que lutar?… Já ganhei a batalha
(perdida)!
O velho Freud tinha razão
quando escreveu: “É costume de um tolo pôr a culpa no outro e de um indivíduo
sábio agir”. E acrescento: tais indivíduos, quando erram, em vez de se culparem
por sua opinião, passam a colocar nos outros a responsabilidade pelo erro.
Lembre-se: “O conformismo é o
desespero de quem não luta mais”, ensina o adágio popular, tão antigo quanto a
nossa legendária fuga à responsabilidade sobre nossos atos e conceitos, o que
leva inexoravelmente à Fênix do Totalitarismo.
Este velho médico, simples
esculápio de província, teve sua atenção chamada pela manchete publicada no
Diário de Pernambuco:
BOLSONARO CEDE E INFORMA QUE SERÁ VACINADO NESTE SÁBADO DE ALELUIA (EDIÇÃO DIA 3
E 4 DE ABRIL DE 2020)
Advirto: parece que o presidente
não mudou de apreciação, mas assistindo ao somatório dos fatos mudou de opinião
quanto à vacinação e sua pertinência. Por isso reafirmo ser a “ideia fixa” uma
exclusividade dos loucos. Mudar de postura, antes tarde do que
nunca, é que é racional. Já hoje, 04/04/2021, a CNN noticiou que o presidente
não se vacinou. Dado tudo isso, este velho esculápio já não sabe em quem
acreditar. Porém, enfatizo: se o presidente Bolsonaro não se vacinou, há que
lembrar o que ensinou o Rabino Maimônides (Ram bam) -1138-1204): “Os fatos
moldam a opinião e não o contrário. As opiniões não moldam os fatos. As coisas
existem e são verdadeiras ou não existem, independentemente das crenças e
opiniões das pessoas”.
O meu desejo é que se criem
fatos concretos e, para isso, que se vacinem todos os que quiserem e puderem.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES) e da
Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford
(Grã-Bretanha).