Por jornalista Tarcísio Matos,
de O Povo
O coxo cego e o cego
coxo
Dessa vez, irmão Tonhão engabelou direitinho
a plateia com seus concertos milagrosos. Ainda bem, pois da vez passada, ao
ordenar jogar fora as muletas e andar, o paralítico desconhecido estatelou-se
no chão, quebrou o pau da venta, furou a cabeça e desmentiu a bolacha do
joelho. Vaiado, pastor quase apanha.
Agora precavido, tomou todos os cuidados. Utilizando
apurados artifícios psicológicos subliminares, ludibriou a massa de fiéis sequiosa
de moleza na solução de graves problemas. Escolheu a dedo o cego (normal das
pernas) e o coxo (bacana da vista) para foco de suas conjeturas.
Dizendo que na sessão de curas do dia a presença de Deus
far-se-ia sem dúvidas, ante silêncio sepulcral da galera, instou para depois
ordenar:
- Ceguinho! Queres ficar curado do
aleijão das pernas?
- Claro, irmão Tonhão!
– respondeu o falto de vista, sugestionado pela pergunta capciosa e contundente
do religioso loroteiro.
- Pois larga os óculos escuros e
anda! Em nome de Jesus, anda!!!
E o ceguinho sai do palco a andar, chocando-se contra o
povo e pedindo desculpas. A multidão grita: “Ave,
Cristo!” E todos ficam maravilhados.
A seguir, chamando a si o coxo, indaga para logo após
impor:
- Coxo! Queres a cura de tua
cegueira dos olhos?
- Claro, irmão Tonhão!
– respondeu o paralítico, igualmente induzido.
- Pois larga as muletas, olhe pra
mim e diga e diga sem rir, sem pestanejar: quem tu vês à tua frente? Quem tu
vês?
O aleijado responde sem problemas:
- Um papangu, senhor! Vejo um papangu!!!
E a multidão extasiada grita a uma só voz: “Milagre! Bendito seja o Senhor!”
O sujo falando do mal
lavado
Metido a barão, Gildão da Varjota está diariamente na
farmácia de seu Hugo. Chega às 7 horas pra curiar novidades da indústria de
remédios e comprar o de sempre pra velhas mazelas – cefaleias, gastralgias,
dermatoses, pneumonias. De dentro do estabelecimento, a vista corre atenta e
inflamada, anotando amiúde os escândalos do mundo. É pródigo na crítica, no
julgamento, na condenação, na fofocagem, na falação de mal e na fulerage de
toda sorte.
Enquanto atendido pelo balconista, observa pobretão dele
conhecido, o laborioso Atanásio Cai Pra Trás, morador do Lagamar, que todo dia
chega a pé à padaria colada à farmácia, de mãos dadas com o caçula Atanásio
Júnior. No domingo de chuva último, o comentário infeliz de Gildão consigo:
- Coitado do Atanásio! Do Lagamar
pra cá deve ser uns 20 quarteirões! Ele e o filho. E o que lasca agora: debaixo
dum aguaceiro desses! Que lástima!
Cai Pra Trás, sempre reparando Gildão da Varjota naquela
farmácia, freguês contumaz, fala à cria acompanhante:
- Pra que tanto dinheiro, se ‘veve’ doente? Nós, ao
menos, é só a vitamina do pão que vem buscar aqui...
Jair Morais, o
questionador
- Prezado jornalista! Se temos a bionergia, a bioética e
a biodiversidade, por que não o bioboi?
- Bioenergia, energia obtida
através da biomassa, eu sei o que é. Mas, bioboi...
- Energia obtida através do chifre. Matéria-prima temos à
bambão, e com o preço do quilowatt/hora como está...
Fonte: O POVO, de 25/02/2017.
Coluna “Aos Vivos”, de Tarcísio Matos. p.8.