Pelo quinto ano consecutivo, Fortaleza torra, ao pé da letra, uma montanha de recursos, para exibir, no modelo de cidades com economia pujante e consolidada, um “Show” de ostentação e exuberância, reproduzindo um retumbante Réveillon que analgesia, provisoriamente, os endêmicos males do nosso cotidiano.
A cada ano que passa, o erário municipal é, crescentemente, corroído em suas já combalidas entranhas, para injetar recursos financeiros no patrocínio de um feérico espetáculo, movido por interesses escusos, arquitetado pelo copatrocínio de indústrias de bebidas alcoólicas, que mais serve para entorpecer as massas.
Para isso, a Prefeita Luizianne Lins deverá veicular, com o suado dinheiro do contribuinte, em canal de televisão local, uma mensagem convocando o povo a tomar parte no evento, anunciando que o aterro acolherá mais de um milhão de pessoas.
Não comporta aqui, neste momento, discutir sobre os milhões de reais que serão explodidos nos quase vinte minutos previstos para a duração da queima de fogos de artifícios e também os hiperbólicos cachês, com dispensa de licitação, a serem pagos a artistas de fora, por um diminuto tempo de apresentação, a exemplo do arremedo de “show” de “violão e banquinho”, acontecido na passagem deste ano, no aterro da Praia de Iracema. Os bons cobres levados para os estados de origem desses “astros e estrelas”, não retornarão a estas plagas, mesmo a título de turismo.
Os órgãos de segurança operam com o parâmetro de cinco pessoas por metro quadrado, o que, por simples cálculo, demanda duzentos mil metros quadrados, ou vinte hectares totalmente despojados de construções, para receber um milhão de indivíduos.
No espaço restrito definido para o espetáculo, isso somente seria obtido se uma parcela do povo avançasse no Atlântico, provida de generosa distribuição de boias, ou se fossem montadas pirâmides humanas, tão comuns nas festas populares em cidades espanholas.
Nada contra festas que fazem a alegria da população, porém é importante que elas somente ocorram quando a comunidade não tiver maiores necessidades, que precisam ser supridas pelo poder público. Em uma cidade como Fortaleza em que falta de “um tudo”, principalmente saúde, diversão farta, para mais de um milhão de pessoas, à custa de alguns milhões de reais, soa como uma violenta agressão à sociedade que paga os seus tributos.
O dia 1º de janeiro assinala, no mundo ocidental, a chegada do Ano Novo, sendo tido como o Dia da Paz, dedicado à confraternização dos povos, e jamais deveria ser visto como uma data de reverência a Baco.
Ainda que isso possa soar como provincianismo, Fortaleza era mais feliz, e talvez mais pura, quando a “passagem do ano” era comemorada na própria família, no recinto domiciliar, estendendo-se a ida à igreja para assistir à Missa do Galo, e da seguida participação fraterna e amigável que se dava nos clubes servindo a distintas classes sociais, estreitando laços de afeição entre as pessoas.
Quem sabe, ao invés de megaeventos que favorecem políticos, empresários e artistas, talvez fosse mais producente reproduzir um réveillon com maior espírito familiar e comunitário.
Médico e economista
* Publicado In: O Povo, de 31/12/2011. Jornal do Leitor. p.2.