quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O BRONCO OU O SORRISO 1001

No Bloco Didático, disposto no andar superior da Biblioteca Setorial do Centro de Ciências da Saúde, da UFC, reinava, nos anos setenta, quase soberanamente, um bedel encarregado da manutenção das salas de aula e de prover os equipamentos audiovisuais aos professores que iam ministrar aulas naquele recinto.
Esse funcionário, nascido no interior cearense, era um tipo robusto, com físico muito assemelhado ao do personagem “Bronco”, imortalizado pelo comediante Ronald Golias, do Programa de TV “A Família Trapo”, e muito chegado a fazer brincadeiras e gozações, nos moldes do seu digamos “quase aparentado” artista.
Às vezes, ele adentrava, de súbito, na sala de aula e provocava os alunos presentes com um dito engraçado e fartamente audível, ao tempo em que exibia um largo sorriso, do tipo “1001”, expondo os seus caninos superiores, com um vasto hiato decorrente da exodontia dos incisivos mediais e laterais, o que servia para “quebrar” as tensões nos momentos que antecediam a aplicação de provas.
Devido à reclamação de certos professores, que o consideravam inconveniente, mas à revelia dos alunos, ele foi transferido para o Departamento de Fisiologia e Farmacologia, tornando-se, oficiosamente, o grande captador de caninos vadios (no caso, os quadrúpedes e não os seus dentes), capturados nos arrebaldes do Porangabuçu, para as aulas práticas e experimentos desse departamento.
Dizia-se que a sua excepcional performance estava atrelada à técnica que desenvolvera: esfregava os genitais de uma cadela no cio em suas calças e punha-se a caminhar pelas ruas adjacentes, atraindo, com o seu ardil, um bom número de cães, que, uma vez enlaçados, eram conduzidos ao canil do Curso de Medicina, e, posteriormente, imolados em prol da ciência e do ensino médicos.
O dito sósia do “Golias” permaneceu nesse serviço até quando, em um entrevero com um importante docente, revelou a sua força física ao erguer, desafiando a Lei da Gravidade, o brilhante mestre pelas “bitacas”, fazendo-o subir às alturas, e sendo, por tal desacato, punido com o remanejamento para trabalhar no campus do Pici.
Sua transferência diminuiu a “graça” no Campus do Porangabuçu. Com isso, quem saiu perdendo, em parte, foi o alunado, privado da alegria do bedel que teve a ousadia, não de parecer com o “Golias” da TV Record, mas de querer ser um Davi ao contrário, banguela, e sem a funda que caracterizou o atirador de pedras no descomunal antagonista bíblico.

* Publicado in: SOBRAMES – CEARÁ - Ressonâncias literárias. Fortaleza: Expressão, 2009. 224p. p.164-5.

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