Pedro Henrique Saraiva Leão
Nosso neologismo vale como combinação de surdez e insensatez. A propósito, antigamente, os aniversários natalícios, bodas, eram comemorados em casa, nos salões de algumas mansões ou em seus jardins, intervalados com declamações, récitas, pequenos dramas, ou ao som de música de fundo em LPs.
Com o advento dos apartamentos (ou “apertamentos”, como parecem alguns) tais passaram a realizar-se nos bufês. Belíssimas e onerosas recepções, onde imperam o bom gosto, a estonteante decoração, com bolos e docinhos artisticamente expostos, vinho e uísque da melhor procedência, contudo, todos ensurdecedoramente barulhentos, exigindo mesmo protetores auriculares para evitar (ou retardar) a surdez.
Deles voltamos quase sempre roucos de tanto falar alto ou moucos de tão pouco ouvir. Não adianta perguntar algo a alguém a quem ali dissemos ou gritamos alguma coisa, pois este responderá não ter ouvido bem.
Para (Michel Eyquem de) Montaigne (1533-1599) – criador do gênero ensaio em Literatura – o exercício mais frutífero e natural da mente é a conversa, e afirmou, se pudesse escolher, perderia a visão ou a fala, mas nunca a audição. Hoje, seguramente, já teria perdido as duas últimas nos retumbantes bufês de Fortaleza. O famoso pensador francês aludia ao bate-papo, à charla, ao “cavaco” dos portugueses, à “causerie”, dos franceses, ao “chat” dos americanos, ao “Plauderei” dos alemães.
Sabe-se que nos ouvidos, as células ciliares órgão de Corti (anatomista italiano) só podem suportar sons até 85 dB (decibéis) ou 4000 Hz (Hertz). E já foi decibelicamente constatado que uma banda de rock atinge 100 dB, imaginem, superiores a uma pista de aeroporto, mesmo com tampões auriculares, tamanho seu barulho, seu clangoroso alarido.
Segundo o professor Sebastião Diógenes, da Faculdade de Medicina da UFC, figura solar da Otorrinolaringologia nacional, as audições repetidas superiores a 85 dB, por várias horas – como demoramos nesses bufês – começam a produzir surdez, cujo sintoma inicial é o zumbido permanente; seguem-se as laringites, os nódulos nas cordas vocais, a rouquidão crônica. Junte-se a hipertensão arterial, e os distúrbios hormonais.
A estes efeitos do som alto, soma-se o nível também acusticamente elevado da pressão sobre os ouvidos, em ambientes fechados, como quase todos os bufês. Acresce que estudiosos da ótica no homem estão especulando acerca da impotência sexual por mecanismos labirínticos ainda pouco conhecidos.
O barulho altissonante lembra-me uma sentença que vi inscrita no mármore do Anfiteatro de Anatomia da Faculdade de Medicina de Heildelberg, perpetrada pelo poeta (Friedrich Johann Christof von) Schiller (1759-1805): “Onde há muito barulho não impera a clareza”.
O título deste artigo reconhece, portanto, uma das chamadas doenças da civilização: a insensurdez, e os seus malefícios acima descritos. Não obstante, mercê das excelências mencionadas, os bifês continuam sendo um bom lugar para surdo-mudos. Mas, cuidado, pois, tampem ou tapem bem os ouvidos da próxima vez!
(*) Médico e presidente da Academia Cearense de Letras
Fonte: O Povo, Opinião, de 27/04/2011.
Um comentário:
gostei muito do blog, parabéns!
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