quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O BRASIL ANEDÓTICO XXXVI

O EXÉRCITO ANTIGO
Couto de Magalhães - "Viagem ao Araguaia", pág. 178.
Subia Conto de Magalhães, em 1862, o Araguaia, quando notou, no lago Dumbá, cujas margens acoitavam dezenas de escravos fugidos do Pará e províncias vizinhas, um movimento de caça, que logo lhe acordou a mania venatória. Tomou da espingarda, e ia fazer fogo, quando um soldado da comitiva se interpôs, rogando, choroso:
- Sr. doutor, pelo amor de Deus, não atire!
- Então, por que?
O soldado, após um silêncio envergonhado, baixou os olhos e a voz, e explicou, titubeante:
- Eu ando querendo dar baixa, tenho caçado um substituto e não acho.
- E que tem isso com o meu tiro?
- É que o tiro esparrama os negros do quilombo, e eu estou querendo pegar um calunga que faça o meu tempo de serviço!
O "FICO!"
J.M. de Macedo - "Ano Biográfico", vol. I, pág. 215.
Prevendo a próxima emancipação da antiga colônia, as tropas portuguesas que constituíam a guarnição do Rio de Janeiro iniciaram um pronunciamento, a fim de forçar o príncipe regente a jurar as bases da Constituição emanada das Cortes de Lisboa, e a fazê-lo regressar ao Reino. Operando a reação, o Senado da Câmara enviou uma delegação ao Paço, sob a presidência de José Clemente Pereira. E horas depois, a 9 de janeiro de 1822, José Clemente tranquilizava os brasileiros com estas palavras famosas pronunciadas pelo Príncipe, e que, repetidas por ele, da janela do Paço, foram recebidas com delírio:
- Como é para bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que - fico!
O JANTAR DAS PANTERAS
Paulo Barreto - Discurso de recepção na Academia Brasileira de Letras.
Uma tarde, encontrou-se Guimarães Passos, na cidade, com um amigo.
- Se tivéssemos dois tostões, jantaríamos esplendidamente, - informou.
O outro arranjou o níquel, e tomaram, os dois, um bonde de segunda classe, para São Cristóvão. Em frente à Quinta da Boa-Vista, saltaram.
- Aonde vamos? - indagou o companheiro do Guima.
- Aonde? Vamos comer a carne com que Sua Majestade sustenta as feras!
Entraram na quinta. Em frente à jaula das panteras, estacaram. O beluário, insolente e brutal, intimou-os:
- Os meninos vão embora. Ou vão, ou eu solto os bichos!
Um sinal de incredulidade, e ia o homem suspender os varões, quando os dois dispararam, no rumo do palácio:
- As feras! - gritaram. - As feras!
O bibliotecário do Imperador aparece à janela, fazendo-os entrar. Nesse dia, Guimarães Passos arranjou o seu primeiro emprego.
RAIMUNDO, PAI
Augusto de Lima - Discurso na Academia Brasileira de Letras, 1921.
É conhecida a ojeriza que Raimundo Correia tomou aos mais famosos dos seus sonetos. Por isso mesmo, foi um dia de nervosismo intenso aquele em que, de regresso do colégio, uma de suas filhas pequenas lhe perguntou:
- Papai, o senhor é o poeta d'As Pombas?
- Quem foi que lhe disse essa tolice, menina?
- Foi a professora.
Raimundo ficou indignado. E no dia seguinte era a professora informada de que, se repetisse tal coisa às pequenas, ele tiraria as filhas do colégio.
Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927).

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