Pedro Henrique Saraiva Leão (*)
Deriva de miserere (tem piedade), como se lê no Salmo 50:1, na tradução da vulgata, e compõe-se do verbo misereo (ter pena), e cor (coração). Antigamente a Igreja Católica considerava a doença uma consequência do pecado, e cuidar dos doentes uma caridade cristã. Esse sentimento inspirou a criação dos hospitais da misericórdia entre ele a Santa Maria Nuova (Florença, 1280). Fabiola, rica romana, teria iniciado esses lazaretos. Basicamente, tais pias instituições proviam abrigo e alimento para viúvas, velhos, órfãos e pobres. Eram realmente mais “hospitéis”, como aqui mencionamos em 22/06/2011 (Hospital Haroldo Juaçaba).
A história igualmente aponta dona Leonor de Lencastre como fundadora (1498) da primeira Santa Casa do mundo, em Portugal.
Enquanto os memorialistas discutem a origem desses valetudinaria (hospitais e enfermarias), por certo foram as mulheres criadoras da base da Enfermagem, e fundamental sua participação altruística, desde as Irmãs Católicas de Caridade, na Irlanda (1831). Algumas dessas diaconisas, pois votadas a práticas piedosas ficaram famosas: Florence Nightingale (1820-1910), Elizabeth Fry, Mary Seacole, Dorothea Dix, Clara Barton. Tamanha continua sua influência que o primeiro hospital para cuidados paliativos em doentes terminais foi instalado pela médica Cecily Saunders, em Londres, 1967, e no Brasil por Maria Gorete Marciel, São Paulo, 2002 (ver meu artigo Ame e deixe morrer publicado em 13/05/2009).
Todas estas considerações ocorreram-me para registrar os 150 anos da Santa Casa da Misericórdia, no Ideal Clube, no último dia 23, em festa financiada por seus amigos.
A irmandade beneficente daquele sesquicentenário nosocômio – precursor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Ceará – foi fundada, onde permanece, a 12 de fevereiro de 1861. Alimentou-se das 14 obras espirituais e corporais mencionadas no evangelho de São Mateus, (25: 35/40).
Com as mesmas filantrópicas intenções, e idênticas limitações financeiras, integrou-se igualmente ao ensino e treinamento de pós-graduação médica no Ceará.
Na mitologia grega, Argos tinha 100 olhos no corpo. Curiosamente, toda a longa história (1861-2011) daquela Casa santa foi vista e anotada por um de seus fiéis médicos, o falecido Argos Vasconcelos, em livro editado aqui (1994), pela Gráfica Batista.
Merecendo reedição, o livro revela seu amor àquelas enfermarias, onde trabalhou por 42 anos, sobre ser referência obrigatória para a história da saúde neste Estado.
Parabenizo seus dirigentes e mantenedores, agradecendo-lhes a Medalha do Sesquicentenário, a mim também gentilmente outorgada, àquela noite.
À todos formulo Feliz Natal, com mais misericórdia no Ano Novo!
(*) Médico e presidente da Academia Cearense de Letras
Fonte: O Povo, Opinião, de 7/12/2011.
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