sexta-feira, 19 de outubro de 2012

VIVER PARA CONTAR E LEMBRAR

Paulo Elpídio de Menezes Neto  (*)
Conheci Lustosa da Costa, enfiado em um paletó com a nota grave de uma gravata listrada, à moda da época. Frequentávamos um curso de preparação para o vestibular da Faculdade de Direito, sob as luzes do professor Eleazar Magalhães, ele trazendo entre bens não declarados restos de latim do Seminário; eu com retalhos de declinações mal aprendidas no ginásio, porém forrado das matemáticas que me foram incutidas perversamente durante três anos de internato  em uma escola militar.
Lustosa descobriu o jornalismo, ainda adolescente, lá mesmo em Sobral, por inclinação própria a que muito ajudou um caderno de folhas pautadas, dado pelo pai, transformado, pressentimento paterno, em um “Diário de Repórter”. O suicídio de Vargas e a crise que sobreveio na maré das conspirações de quartel foram o tema do seu primeiro artigo, assinado “L.C”, publicado no “Correio da Semana”, de Sobral, em 1954. Em Fortaleza, retomava, cada dia, seus passos inquietos pela rua Senador Pompeu, espécie de Times Square local, na qual se encontravam as redações dos principais jornais. Como jornalista, foi, na maior parte do seu longo exercício profissional, repórter e comenatrista no “Correio do Ceará” e no “Unitário. Na “Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro, e como correspondente do Estado de São Paulo, em Brasília, e no “Correio Braziliense” conquistou lugar próprio entre os mais respeitados comentaristas politicos da época. Assistiu de perto aos principais acontecimentos políticos da República, lá em Brasília, como o fizera no Ceará, na condição de repórter na Assembleia Legislativa. Pressentiu o golpe de 1964 nas estranhas da sedição, ainda em Fortaleza, e acompanhou os primeiros lances dos governos biônicos instalados, no Ceará, pela falácia das eleições “indiretas”. Em Brasília, presenciaria o ocaso dos generais e as dores republicanas com novos governos extraídos de velhas lideranças, povoados de “cristãos-novos” convertidos a uma democracia vacilante e vigiada. No auge das ações “revolucionárias”, quando a repressão e a censura se disseminavam pelas universidades e pela imprensa, deixou escapar, em uma de suas crônicas, o desabafo de um irônico desencanto: “se não é possível mudar de governo, mudemos de povo”…
Lustosa da Costa viveu uma vida rica, não tão longeva quanto gostaríamos tivesse levado Deixou-se, entretanto, impregnar, como poucos, no lapso radioso de sua passagem entre nós, pela vontade e a coragem de viver. Foi um jornalista dotado de qualidades, hoje raras, entre os da sua grei, no domínio do vernáculo, na elegância do estilo, na cultura humanística e na justeza dos seus princípios. Enveredou, com acuidade e competência, pela literatura, pela história e pela memorialística, tendo eleito Sobral como a inspiração de seus registros. Foi, por toda a vida, leitor voraz, seletivo e crítico, elegeu a simplicidade na textura da sua escrita, objetivo que poucos ficcionistas e cronistas do real alcançam. A sua obra testemunhará para o futuro, para o deleite de quem o ler pela primeira vez, o traço de uma prosa leve, dosada com as ironias da inteligência - recursos que fixam a vocação do escritor, cronista e memorialista, que foi dos melhores.
(*) Cientista político e membro da Academia Brasileira de Educação
Fonte: O Povo, 17/10/12. Opinião, p.6.

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