Isto é uma ficção com base num fenômeno real:
minha amiga Susana (nome fictício) é uma grande executiva que trabalha dez
horas por dia. Produz muito, mas sempre arranja um tempinho para uma prosa que
levamos com frequência. De uns tempos para cá, com a revolução causada pelo
“WhatsApp” e outros modos eletrônicos de comunicação rápida, simbólicos e
fáceis somente digitando sem sair da cadeira ou da cama, Susana disparou a
comunicar-se desenfreadamente.
Mandou ver num pacote de “emoticons” - segundo ela, são
milhares deles disponíveis -, que servem para substituir toda sorte de ideia,
de sentimentos, ações, pensamentos ou o que se imaginar, sem verbalizar nada.
Há carinhas redondas para representar tudo isso. Para que escrever se hoje
estou triste se existe uma carinha redonda com os cantos da boca para baixo,
olhos inclinados na diagonal, também para baixo, sobrancelhas caídas e às vezes
uma lágrima caindo do olho? Perguntava ela enquanto eu dizia que essas figuras
eram estáticas, padronizadas, impessoais e não expressavam nosso eu real.
Tudo pode se expressar por “emoticons”, afirmava ela.
Quase um ano depois dessa “febre da comunicação”, percebi que aquela imagem
bonita, de rosto ovalado, expressões faciais puras, dedos finos e que Susana
exibia naturalmente havia sumido da minha mente. Em vez daquela autenticidade,
o que aparecia para mim era uma mão roliça de polegar boleado, apontando para
cima quando ela dizia que estava tudo bem, para baixo se as coisas estivessem
dando diferente do desejado e por aí ia. Esse polegar virou a cara dela!
Procurei saber a razão desse fenômeno acachapante e,
depois de muito estudar e pesquisar, encontrei que: no nosso cérebro ocorre
constantemente um processo de aprendizado e de memorização de fatos e coisas,
que também podem mudar continuadamente de acordo com os estímulos ambientais.
As conexões dos nossos neurônios podem se fortalecer e se multiplicar para
estabelecer novas conexões e até novos neurônios podem surgir: é a
neuroplasticidade do cérebro. Isso ocorre conforme tais estímulos. (Tracy J.
Shors: Scientific American, 2009; Brain Plasticity: Neuroscience News, 2,
2017.)
Atribuo que a substituição dos textos, das palavras e das
imagens reais de Susana pelos “emoticons” possa ter sido influenciado pela
neuroplasticidade dos meus neurônios, de tanto ver “emoticons”, em vez de ver
Susana...
Ainda bem que tudo pode ser revertido: retornamos à nossa
prosa, reduzimos a comunicação por “emoticons” e às imagens. As falas e as
escritas sobre Susana voltaram ao normal na minha mente - para alívio nosso.
(*) Médica pneumologista; coordenadora do Pulmocenter;
membro da Academia Cearense de Medicina.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 8/03/2017. Opinião. p.14.
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