Por Izabel Gurgel (*)
É percussiva a vagem que guarda as sementes
da timbaúba, timbaúva, o bem dito tamboril. O pé de tambor. O nome científico, Enterolobium
contortisliquum, diz do formato da vagem, verde quando verde e preta quando
madura, seca e resistente. Parece uma orelha. O desenho curvo a lembrar as
"circunvoluções do intestino". Cito Paulo Ernani Ramalho Carvalho em
"Espécies Arbóreas Brasileiras", volume 1, publicação da Embrapa
disponível na internet.
Primavera é um dos outros nomes da Bouganvillea
glabra, buganville que o google apresenta também como flor-de-papel.
Penso, então, nas cores do papel de seda, outrora tão usado para embalar
docinho, fazer lanterna de procissão, bandeirinha de São João. O México usa
para as bandeirolas de papel picado. Suspensas, filtram o ar, tornam a passagem
do vento um visível festejo. Usadas como toalhinhas de bandejas ou de mesas,
explicitam o que o poeta anotou: o mais profundo é a pele.
Outro dia, caminhando ao pé da Chapada do
Araripe, paramos para ver as circunvoluções feitas por uma Primavera, rumo ao
céu, dividindo os vazios da renda que é a folhagem do pé de tambor. Do outro
lado da Chapada, Pernambuco. A memória abriu uma passagem e estampou Luiz
Gonzaga fazendo a travessia PE-CE, subindo e descendo a Chapada, de Exu ao
Crato, onde pegaria o trem e muitas léguas até fazer cantar o bonito destino
que o tornaria um bem comum, patrimônio nosso.
Ô coisa boa é coisa boa. A memória traz,
então, uma vez mais, a profa. Elba Braga Ramalho no Museu de Arte da UFC, nosso
querido MAUC, em Fortaleza, cantarolar Alberto Nepomuceno e nos mostrar como o
maestro compôs a música para o poema "A Jangada", de Juvenal Galeno,
incorporando o aboio de tantos caminhos percorridos. Luiz Gonzaga e Alberto
Nepomuceno tão sabidos quanto às árvores no desfrute do sol. Era uma manhã de
Festival Alberto Nepomuceno. O livro "Luiz Gonzaga: a Síntese Poética e
Musical do Sertão" resulta da tese da profa. Elba, apresentada em 1997 à
Universidade de Liverpool.
E a água na boca do título? Era o texto que
eu deveria trazer hoje para você. Assim que a editora Isabel Costa me falou da
edição especial dedicada às trocas entre Pernambuco e Ceará, pensei na tese de
doutoramento da Matu Macedo, professora da UFC, junto à Universidade de
Coimbra. "Percurso de um patrimônio alimentar, histórico e cultural: a
massa do bolo de noiva do estado de Pernambuco no Brasil" é de 2022.
Matu conta com gosto os caminhos do bolo de
frutas maceradas no vinho, talvez o mais saboroso dos modos de Pernambuco
contar o tempo. Guarda-se a maravilha de massa escura sob o glacê mármore, dito
real, para apreciá-la também meses ou até anos depois. Apuradíssima composição.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 14/09/25. Vida & Arte, p.2.

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