sábado, 6 de agosto de 2011

A BELEZA, A ECONOMIA E A SAÚDE ENCAPADAS


No processo de editoração de nossos livros, cuidado especial tem sido devotado à feitura da capa, lançando-se, preferentemente, ao expediente de enquadrar, como motivo central, tela, desenho, xilogravura de artistas renomados, em concordância com o teor da obra, acostando-se então outros elementos de composição: título, autor, patrocinador, edição etc., de acordo com a situação. Nesse aspecto, afamados pintores, comportando mencionar Albrecht Dürer, Tiziano Vecellio, Rafael Sanzio, Diego Velázquez, Eugène Delacroix, Henry Holliday, componentes de diferentes escolas, contribuíram, passiva e tacitamente, com seus primorosos trabalhos, para agregar qualidade estética à nossa produção científica e cultural.
Para o livro “Introdução à Economia da Saúde”, cuja capa necessitava aliar dois setores, supostamente paradoxais e oponentes: a economia e a saúde, as recordações da adolescência, advindas da prazerosa leitura da “História Universal”, de Césare Cantú, trouxeram à luz o desejo de rever uma cena da mitologia grega lá retratada.
Nela, Tiziano, o maior pintor da escola veneziana do Renascimento, inspira-se em texto de Ovídio, para, entre 1552 e 1553, executar “Danae recebendo a chuva de ouro”. Na tela, pertencente ao Museu do Prado, Danae, em decúbito supino, de pernas entreabertas e levemente fletidas, tem ao lado uma velha criada, que tenta usar o seu avental para apanhar a chuva de ouro em que Zeus se transformou para possuir a jovem mulher. Dessa fecundação, nasceu o herói mitológico Perseu. Por tal simbologia, depreende-se que Danae, com as suas “saudáveis” formas fogosas e o seu padrão de beleza renascentista, gera uma vida, e, portanto, desnuda-se em Saúde, enquanto a chuva aurífera acumulada lembra a cornucópia esparramando moedas, que significa a Economia.
Quando da divulgação pré-lançamento, ocorrida no auge da campanha eleitoral de 2004, o convite que ostentava em seu anverso a capa da obra suscitou o boato de que a figura desnudada tratava-se de uma conhecida “stripper”, então postulante a cargo eletivo, que aceitara posar nua, emprestando suas curvas para ajudar a alavancar as vendas do livro. Para os que desconheciam a origem da tela renascentista, duas reações eram comuns: a credulidade masculina inicial, com uma pitada de desconfiança, por achar diferenças físicas entre a matriz e a sua suposta cópia, transparecendo, talvez, a experiência de “voyeurismo”; nas mulheres, quiçá pela beleza competitiva, curiosamente, direcionavam suas farpas contra o excesso de “celulite” nas ancas e nas coxas dessa “Maja Desnuda”, e, com a língua viperina, alfinetavam a obesidade abdominal em franco contraste com o tórax em “tábua”, face às mamas diminutas - a micromastia de Danae.
Longe de suscitar qualquer ofensa à pudicícia de outrem, ou mesmo o desejo de expressão erótica, recorrendo a uma bizarra modalidade de sexo explícito do deus maior do panteão grego, aliás dado a metamorfoses para as suas conquistas “donjuanescas”, a composição da capa dispõe, em seu andar superior, discretamente vazada, em amarelo ouro, um recorte da xilogravura “A Madona com Jesus e cinco anjos” (Albrecht Dürer, c. 1505), onde Maria Santíssima, que aleita seu precioso rebento, parece dirigir o seu olhar para uma das obras primas do longevo pintor italiano, situada no plano inferior.
Para completar a descrição, os que estiverem com o livro às mãos poderão apreciar na quarta capa a famosa “Oração de São Francisco”, factível de ser interpretada como uma mensagem carismática do movimento católico Economia de Comunhão, tendo como fundo, em preto ciano, a pujante xilogravura, de Albrecht Dürer (c. 1502), intitulada “São Francisco recebendo os estigmas”.
O certo é que esses arranjos deram uma invejável e vistosa capa, que tem atraído o leitor para manusear a obra, incitando-o à compra; no entanto, o sucesso da vendagem reside no seu conteúdo técnico, sobretudo pela ausência de concorrência de publicações nacionais versando sobre o assunto, visto ser muito procurada por meio de mala direta das distribuidoras: Abrasco Livros e Sobravimes.
Marcelo Gurgel Carlos da Silva
* Publicado in: Diário do Nordeste. Caderno Cultura, 25 de abril de 2005. p. 4.

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