A LEI DAS APOSENTADORIAS
Moreira de Azevedo - "Mosaico Brasileiro", pág. 52.
Chegada ao Rio de Janeiro em 1808 a família real portuguesa com todo o seu séquito de fidalgos e fâmulos, foi posta em execução a chamada lei das aposentadorias, a qual obrigava os proprietários e inquilinos a mudarem-se, cedendo as casas para residência dos criados e servidores d'el-rei. Bastava que o fidalgo desejasse uma casa, para que o juiz aposentador intimasse o morador por intermédio do meirinho, que se desempenhava do seu mandato escrevendo sumariamente na porta, a giz, as letras P. R. Estas significavam - "Príncipe Regente", ou, como interpretava o povo - "ponha-se na rua".
Era Agostinho Petra de Bitencourt juiz aposentador quando, um dia, lhe apareceu um fidalgote, requerendo aposentadoria em uma excelente casa, apesar de já ter uma. Dias depois veio pedir-lhe mobília e, finalmente, escravos.
Ao receber o terceiro pedido, Agostinho Petra, que acompanhava a indignação do povo com tantos abusos da Corte, gritou para a esposa, no interior da casa:
- Prepare-se Dona Joaquina, que pouco tempo podemos viver juntos.
E indicando, para a mulher, que acorrera, o fidalgote insaciável:
- Este senhor já duas vezes me pedir casa, depois mobília, e agora, criado. Brevemente quererá, também, mulher, e como eu não tenho outra senão a senhora, ver-me-ei forçado a servi-lo!
REGALIAS MILITARES
Constâncio Alves - "Revista da Academia Brasileira de Letras", n° 60, de dezembro de 1926.
Laurindo Rabelo, não obstante o descaso de si mesmo, era profundamente orgulhoso. Médico do Exército e íntimo na casa do coronel Tamarindo, havia o poeta chegado à residência deste, em dia festivo, na ocasião, exatamente, em que a mesa das pessoas graduadas já se achava completamente cheia. Não querendo fazê-lo esperar, a dona da casa indicou-lhe um lugar na mesa da gente moça.
Laurindo franziu o rosto.
- Adeus, coronel, - disse, despedindo-se.
E já da porta, ofendido:
- Os médicos do Exército jantam com o Estado-Maior!
AS PERNAS DA MINISTRA
Narrada pelo professor Azevedo Amaral, descendente do velho diplomata.
José Maria do Amaral era a negação a elegância. Mal equilibrado nas pernas fracas, era objeto, não raro, de ironias, a que respondia com espírito.
Era ele ministro do Brasil em Paris, quando foi transferido para a Rússia, sucedendo-lhe chegar a Bruxelas, em trânsito, nas vésperas precisamente de um grande baile oficial.
Nos salões reais, a ministra do Brasil, lindíssima criatura, entendeu de pilheriar com José Maria, e começou:
- É verdade, então, dr. Amaral, que o senhor vai para a Rússia?
- É, minha senhora.
- E como o senhor se arranjará por lá, em uma corte tão exigente? Que fará o senhor, assim tão magro, com essas pernas tão finas, quando tiver de comparecer a uma festa em que os homens tenham que ir de calções?
O velho Amaral não se perturbou; sorriu e, lançando um olhar significativo à linda patrícia, respondeu-lhe, de modo a ser ouvido pelos admiradores mais próximos:
- É simples, minha senhora. Quando eu tiver de ir a uma festa em tais condições, farei o seguinte: caso-me com uma dama tão linda como a senhora, visto-a como a senhora está vestida, e, enquanto os convidados estiverem olhando para as pernas dela não se incomodarão com as minhas!
O POVO, EM NOME DA LEI
Moreira de Azevedo - "Mosaico Brasileiro", pág. 51.
Era Agostinho Petra Bitencourt juiz de fora e, ao mesmo tempo, presidente do Senado da Câmara, quando, num dia de audiências, se demorou em mandar entrar as partes, que aguardavam na sala contígua. Impacientes, as pessoas que esperavam falar ao magistrado começavam a irritar-se, quando um cavalheiro, perdendo a calma, bateu fortemente à porta.
- Quem bate? - indagou o juiz, de dentro, com irritação.
- É o povo, em nome da lei! - gritaram-lhe, de fora.
E Petra Bitencourt, que era violento, mas justo:
- Como é o povo em nome da lei, pode entrar.
E escancarou a porta.
Fonte: Humberto de Campos. O Brasil Anedótico (1927).
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