sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

PADRE HAROLDO (por Lúcio Alcântara)



Por Lúcio Alcântara

Padre Haroldo partiu. Padre Haroldo ficou. Se não poderá mais ser visto poderemos continuar a ouvi-lo nas palavras e mensagens que nos legou em sua permanente luta em defesa da liberdade, da paz e dos pobres tudo em nome do evangelho de Cristo.
Um domingo, há anos, queria ir à missa e então escolhi a de 10,00 horas na igreja do Carmo embora muito distante de minha casa. A surpresa ficou por conta do celebrante, o Padre Haroldo Coelho, a quem conhecia de nome e do proselitismo político. Terá sido a providência divina que marcou nosso inusitado encontro?
A partir desse dia passei a frequentar, quando em Fortaleza, a igreja no horário a que uma escolha aleatória me levara. Isso porque me agradava a forma como aquele sacerdote celebrava o ofício.
Na verdade concelebrava, como repetia sempre, convocando todos fiéis a participarem do ato litúrgico. Pouco afeito à rigidez dos rituais se guiava mais pela intuição que remetia às origens do cristianismo que pelo formalismo das normas introduzidas pelo centralismo hierárquico no curso da longa história da igreja católica.
Dava a vida às palavras evitando o tom burocrático de textos oficiais, improvisando às vezes, com uma alegria espontânea que fazia contraponto à contundência de suas indignadas homilias. Os anos não banalizaram seu desempenho. Dava-me a impressão de emprestar a cada celebração a unção da primeira vez.
Foi assim, pela via religiosa, que nos aproximamos e viemos a constituir sólida e fraterna amizade. Se não foi a política que nos uniu também não nos separou. Divergências eleitorais nunca toldaram nosso relacionamento. O que havia de comum entre nós em matéria política era maior que desencontros circunstanciais. O que nos ligava, além do amor ao Ferroviário, era a paixão de Cristo muito maior que a paixão dos homens.
De toda forma não deixava de causar admiração que optasse pela missa do Padre Haroldo cuja reiterada contundência vergastava os políticos em geral e de modo particular companheiros e partido a que eu então pertencia.
Não era caso de masoquismo político. É que nunca tomei as críticas como de caráter pessoal. Creio ter sido essa minha tolerância, expressão de um espírito democrático, que acabou nos fazendo amigos.
É certo que para meu conforto emocional dividia as críticas em três grupos:
1- as justas, cuja correção não dependia de mim
2- as justas, sobre as quais eu tinha como atuar
3- e aquelas com as quais eu não concordava
O mecanismo mental que então desenvolvi pavimentou o caminho de nossa amizade.
Ele tinha vocação para o protagonismo. Por isso se manifestava sempre sobre os temas mais variados, universais, a paz, a democracia, a justiça, ou meramente locais. Nunca sonegou a franqueza de suas opiniões, algumas polêmicas. Assim, acabou por se tornar um ícone da cidade, uma referência, alguém cujo pensamento era sempre útil conhecer.
Essa é a história de uma amizade que, se prometida pareceria impossível. Nossa convivência sobreviveu airosamente ao poder e aos embates eleitorais.
Dividimos solidários momentos delicados, angústias e temores, fragilidades humanas, que provam a consistência das relações pessoais que empregamos, ele e eu, na busca do bem comum e da assistência aos necessitados que nos procuraram.
Sempre com a alegria do menino que sobreviveu no sacerdote feliz com os pequenos prazeres da vida, o contentamento estampado no rosto quando comemorava o dia dos seus anos.
Padre Haroldo certamente lá do céu lança sobre nós seu sorriso maroto e o olhar curioso na expectativa do que iremos fazer com o que nos transmitiu. Sua missão aqui na terra está concluída. A tarefa não. Agora é conosco, se queremos ser guardiões do seu ensinamento.
Postado em 13/01/13 In: http://lucioalc.blogspot.com.br/

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