Por Lúcio Alcântara
Padre Haroldo partiu. Padre Haroldo ficou. Se não poderá
mais ser visto poderemos continuar a ouvi-lo nas palavras e mensagens que nos
legou em sua permanente luta em defesa da liberdade, da paz e dos pobres tudo
em nome do evangelho de Cristo.
Um domingo, há anos, queria ir à missa e então escolhi a
de 10,00 horas na igreja do Carmo embora muito distante de minha casa. A
surpresa ficou por conta do celebrante, o Padre Haroldo Coelho, a quem conhecia
de nome e do proselitismo político. Terá sido a providência divina que marcou
nosso inusitado encontro?
A partir desse dia passei a frequentar, quando em
Fortaleza, a igreja no horário a que uma escolha aleatória me levara. Isso
porque me agradava a forma como aquele sacerdote celebrava o ofício.
Na verdade concelebrava, como repetia sempre, convocando
todos fiéis a participarem do ato litúrgico. Pouco afeito à rigidez dos rituais
se guiava mais pela intuição que remetia às origens do cristianismo que pelo
formalismo das normas introduzidas pelo centralismo hierárquico no curso da
longa história da igreja católica.
Dava a vida às palavras evitando o tom burocrático de
textos oficiais, improvisando às vezes, com uma alegria espontânea que fazia
contraponto à contundência de suas indignadas homilias. Os anos não banalizaram
seu desempenho. Dava-me a impressão de emprestar a cada celebração a unção da
primeira vez.
Foi assim, pela via religiosa, que nos aproximamos e
viemos a constituir sólida e fraterna amizade. Se não foi a política que nos
uniu também não nos separou. Divergências eleitorais nunca toldaram nosso
relacionamento. O que havia de comum entre nós em matéria política era maior que
desencontros circunstanciais. O que nos ligava, além do amor ao Ferroviário,
era a paixão de Cristo muito maior que a paixão dos homens.
De toda forma não deixava de causar admiração que optasse
pela missa do Padre Haroldo cuja reiterada contundência vergastava os políticos
em geral e de modo particular companheiros e partido a que eu então pertencia.
Não era caso de masoquismo político. É que nunca tomei as
críticas como de caráter pessoal. Creio ter sido essa minha tolerância,
expressão de um espírito democrático, que acabou nos fazendo amigos.
É certo que para meu conforto emocional dividia as
críticas em três grupos:
1- as justas, cuja correção não dependia de mim
2- as justas, sobre as quais eu tinha como atuar
3- e aquelas com as quais eu não concordava
O mecanismo mental que então desenvolvi pavimentou o
caminho de nossa amizade.
Ele tinha vocação para o protagonismo. Por isso se
manifestava sempre sobre os temas mais variados, universais, a paz, a
democracia, a justiça, ou meramente locais. Nunca sonegou a franqueza de suas
opiniões, algumas polêmicas. Assim, acabou por se tornar um ícone da cidade,
uma referência, alguém cujo pensamento era sempre útil conhecer.
Essa é a história de uma amizade que, se prometida
pareceria impossível. Nossa convivência sobreviveu airosamente ao poder e aos
embates eleitorais.
Dividimos solidários momentos delicados, angústias e
temores, fragilidades humanas, que provam a consistência das relações pessoais
que empregamos, ele e eu, na busca do bem comum e da assistência aos
necessitados que nos procuraram.
Sempre com a alegria do menino que sobreviveu no
sacerdote feliz com os pequenos prazeres da vida, o contentamento estampado no
rosto quando comemorava o dia dos seus anos.
Padre Haroldo certamente lá do céu lança sobre nós seu
sorriso maroto e o olhar curioso na expectativa do que iremos fazer com o que
nos transmitiu. Sua missão aqui na terra está concluída. A tarefa não. Agora é
conosco, se queremos ser guardiões do seu ensinamento.
Postado em 13/01/13 In: http://lucioalc.blogspot.com.br/
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