Uma exposição no Museu dos Arquivos Nacionais é parte de um amplo reconhecimento francês de como o país se comportou na Segunda Guerra Mundial.
O
telegrama de 1942 assinado por um dos mais altos funcionários do regime
colaboracionista de Vichy determinou que prefeitos de áreas não ocupadas da
França supervisionassem “pessoalmente” a transferência de milhares de judeus
para campos de deportação. “O chefe de Estado quer que você assuma pessoalmente
o controle das medidas tomadas em relação os judeus estrangeiros”, escreveu
René Bousquet, o então chefe de polícia de Vichy. “Não hesite em acabar com
qualquer resistência popular que encontrar.”
O
telegrama era parte do processo contra Bousquet, que foi formalmente acusado em
1989 de crimes contra a humanidade por orquestrar a captura de judeus e ordenar
a deportação de crianças. (Ele escapou da punição devido à sua colaboração logo
após a guerra, mas foi assassinado em 1993, enquanto as acusações eram
investigadas.)
O
telegrama datilografado, com o papel amarelado pelo tempo, é um dos 300
documentos, incluindo cartas, fotos, itens pessoais, cartazes, fichas policiais
e livros, em exibição na nova exposição do museu dos Arquivos Nacionais. A
exposição, chamada “Colaboração 1940-1945”, aberta até o dia 2 de março, é uma
das primeiras dedicadas a esse assunto. Faz parte de uma leva de comemorações
do 70° aniversário da libertação da França do domínio nazista.
Recentemente,
o colaboracionismo tem sido explorado em livros, filmes, documentários e até
mesmo séries de televisão, como “Un Village Français”, que começou em 2009. É
parte da tentativa de redimir a França de seu passado inglório. A percepção
francesa de como o país se comportou durante a ocupação mudou. A França foi
inicialmente mostrada como uma nação de resistência, mas na década de 90, o
presidente Jacques Chirac citou o “delito coletivo” da nação.
Hoje, os
historiadores definem o colaboracionismo francês como uma aliança política,
administrativa, econômica, militar, ideológica e cultural com os nazistas. Mas
“havia diferença de comportamentos” entre os indivíduos, disse Denis
Peschanski, um dos curadores.
Peschanski
disse que a exposição faz uma diferenciação entre colaboracionistas e
colaboradores — “aqueles que eram inteiramente aliados à ocupação e aqueles que
se acomodaram às circunstâncias.” Os colaboracionistas não só ajudaram os
alemães ao seguir as ordens de Vichy ou buscar o lucro pessoal, mas tentaram
fazer a França ressurgir através do governo nazista, disse ele.
Apesar do
tema provocante, a exibição atraiu uma resposta positiva na França.
Incluindo
empréstimos de coleções particulares, a exposição traça a cronologia de
colaboração, desde o armistício assinado com a Alemanha em 1940 até o
julgamento por traição do Marechal Philippe Pétain, chefe do regime de Vichy,
em 1945. Ela engloba seis salas, cada uma ilustrando um tema, incluindo ações
conjuntas da polícia francesa e alemã. Visitantes andam pelos corredores ao som
de músicas do tempo da guerra e discursos de Pétain e Pierre Laval,
ministro-chefe do Vichy. “Quero que a Alemanha vença porque, sem ela, o
comunismo irá dominar tudo”, disse Laval em um discurso de 1941.
A
exposição tem alguns documentos que estão sendo exibidos publicamente pela
primeira vez. Entre eles, uma carta do escritor Louis-Ferdinand Céline
parabenizando Lucien Rebatet, escritor colaboracionista, por seu panfleto “Les
Décombres”, ou “As Ruinas”, que pedia o assassinato de judeus. Há capas de
jornais, livros, cartas, cartazes e desenhos denunciando os judeus, comunistas
e maçons.
O
historiador Tal Bruttmann disse que a exposição mostra a importância da
ideologia na colaboração. “Na França, há muito tempo percebemos que a
colaboração não era um compromisso ideológico — acreditamos que os
colaboradores eram bandidos”, disse Bruttmann. “Mas havia também os nazistas
franceses.”
Entre as
imagens raras em exposição está uma foto do embaixador de Hitler em Vichy, Otto
Abetz, com Pétain e Laval. A foto foi tirada apenas horas antes do momento
famoso em que Pétain apertou a mão de Hitler em Montoire, no centro da França.
Em outra foto, tirada no dia 3 de julho de 1942, Pétain, Laval e Bousquet, o
chefe de polícia, são vistos saindo do conselho ministerial em Paris.
Fonte: The New York Times
/ O Povo, de 29/12/14. p.6.
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