Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A
saúde passou a ser um bem de consumo. A razão pela qual a medicina seguiu essa
tendência é que o valor do trabalho médico não pode ser medido unicamente pelo
ganho monetário. Mas foi a essa degeneração que assisti, ao longo de meus 55
anos de vida profissional no Brasil.
Com
o encolhimento do Governo no Setor da Saúde, assisto à privatização da medicina
e o surgimento dos hospitais luxuosos para atender a uma minoria que (ainda),
pode pagar um plano de Saúde. O resultado dessa política foi o sucateamento da
Medicina Estatal, da Previdência Social e das ações do Ministério da Saúde.
Importaram-se
modelos completamente estranhos à nossa tradição médica. Explicações do tipo:
aumento de custos, tecnologias novas e caras ou aumento da média de vida do
brasileiro não me parecem elucidação convincente para o “Caos na Saúde”.
Nossos
principais hospitais particulares são símbolos de ostentação de riquezas e se
assemelham mais com bancos ou hotéis de cinco estrelas. Parecem exemplos de
exibição de riqueza aparente ou de riqueza ilícita, obtida com o sofrimento
alheio. Ao lado desse luxo, as filas vergonhosas dos pobres a mendigar
atendimento médico, do outro lado da calçada, são de doer.
Com
a valorização da tecnologia, os médicos passaram a ser meros manipuladores de
máquinas. Outro fato a que assisto surpreso é o investimento em belas
aparelhagens médicas, fazendo com que consultórios, clínicas e hospitais
pareçam mais shoppings ou grandes magazines. São vassalos da sociedade do
consumo. Vendem produtos de propaganda às classes dominantes, principalmente, e
quando algum fazedor de opinião adoece o tratamento é diferenciado (Tratamento
VIP), dedicação exagerada dos afamados nosocômios e medalhões médicos (seus
dependentes, salvo as exceções de praxe), que deveriam ser poupados, numa
hierarquia do saber, para os casos de maior complexidade. Trocam tudo – não
exclusivamente pelo dinheiro – mas pelo agradecimento na imprensa.
O
que noto é que (salvo no caso de alguns poucos esculápios) a importância social
ou política do doente vale mais do que a complexidade da sua – doença. Como
psicossomatista entendo que o bom médico não é o que trata da doença e sim do
doente, da Pessoa Humana.
O
recurso a procedimentos sofisticados, usados desnecessariamente (maioria das
vezes) em detrimento de uma boa história clínica e um cuidadoso exame físico,
passou a ser a norma. Isso faz com que os que mais necessitam desses
procedimentos de alta tecnologia não sejam atendidos, pelo excesso de demanda.
Aos poucos que possuem condições ou acessos as benesses desses maravilhosos
avanços médicos sempre há uma vaga. Um jeitinho…
O
reflexo disso é um desnível no atendimento médico, pior que o desnível social,
podendo ser comparado à fome endêmica e ancestral de nossa população. A maioria
dos preteridos tem cor de pele com um pouco mais de melanina.
Nem
nos países mais ricos há tantos gastos com exames desnecessários. A maldade de
conservar em CTI ou UTI certos pacientes irrecuperáveis que ficariam mais bem
assistidos na companhia dos familiares, garante aos hospitais lucros
comparáveis aos dos bancos. O que importa é o aumento do faturamento, não o
bem-estar da pessoa.
O
resultado é o desbaratamento dos jovens médicos e médicas. No fim, quem mais
padece com esse encolhimento do Estado no setor da Saúde são os pacientes,
principalmente as mulheres, os idosos e as crianças. O povo pobre é o que mais
sofre, assim como a classe média (em extinção), com as prestações
estratosféricas cobradas por esses empresários da saúde (ou da doença), pois
passam a trocar a compra de comida pela prestação do Seguro.
Tenho
muita pena principalmente dos velhos. Dizem por aí que existe muito mais
Esperança no choro de uma criança do que um sorriso na boca de um idoso. Foi no
que deu a privatização da medicina no nosso País. Não adiantam mutirões ou
meias medidas. O problema do nosso sistema de saúde é político (com P
maiúsculo).
Quando
eu era jovem e exercia a função de chefe da Pediatria do Hospital Agamenon
Magalhães (Recife), nenhum de seus médicos ou funcionários necessitava de
planos de saúde, pois os melhores e mais bem aparelhados hospitais eram os
estatais.
Como
os tempos mudaram para pior! É, o cenário não aponta para muitas melhorias,
introduzidas pelas obras faraônicas dos hospitais que atendem aos malfadados
convênios. O mundo mudou, porém, pelo que sei, digo e repito: – o Homem não
mudou. Sua anatomia ou seus sentimentos permanece os mesmos.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).
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