Por Paloma Jorge Amado (*)
Era 1998, estávamos em Paris, papai já bem doente,
participara da Feira do Livro de Paris e recebera o doutoramento na Sorbonne, o
que o deixou muito feliz.
De repente, uma imensa crise de saúde se abateu sobre
ele, foram muitas noites sem dormir, só mamãe e eu com ele. Uma pequena melhora
e fomos tomar o avião da Varig (que saudades) para Salvador.
Mamãe juntou tudo que mais gostavam no apartamento
onde não mais voltaria e colocou em malas.
Empurrando a cadeira de rodas de papai, ela o levou
para uma sala reservada. E eu, com dois carrinhos, somando mais de 10 malas,
entrava na fila da primeira classe.
Em seguida chegou um casal que eu logo reconheci, era
um político do Sul (não lembro se na época era senador ou governador, já foi tantas
vezes os dois que fica difícil lembrar).
A mulher parecia uma árvore de Natal, cheia de
saltos, cordões de ouros e berloques (Calá, com sua graça, diria: o jegue da
festa do Bonfim).
É claro que eu estava de jeans e tênis, absolutamente
exausta. De repente, a senhora bate no meu ombro e diz: "Moça, esta fila é da
primeira classe, a de turistas é aquela ao fundo."
Me armei de paciência e respondi: "Sim, senhora, eu sei."
Queria ter dito que eu pagara minha passagem enquanto
a dela o povo pagara, mas não disse. Ficou por isso.
De repente, o senhor disse à mulher, bem alto para
que eu escutasse: "Até parece que vai de mudança, como
os retirantes nordestinos".
Eu só sorri. Terminei o check in e fui encontrar meus
pais.
Pouco depois bateram à porta, era o casal querendo
cumprimentar o escritor. Não mandei a puta que pariu, apesar de desejar
fazê-lo. Educadamente disse não.
Hoje, quando vi na TV o Senador dizendo que foi
agredido por um repórter, por isso tomou seu gravador, apagou seu chip,
etecetera e tal, fiquei muito arretada, me deu uma crise de mariasampaismo e
resolvi contar este triste episódio pelo qual passei.
Só eu e o gerente da Varig fomos
testemunhas deste episódio, meus pais nunca souberam de nada.
(*) Paloma
Amado - Psicóloga, filha do escritor Jorge Amado
OBS: O político se chama Senador ROBERTO REQUIÃO.
Fonte: O texto acima foi publicado recentemente no Facebook
de Paloma Jorge Amado e reproduzido no Blog de Cláudia Wasilewski.
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