Médico-Psicoterapeuta
-... Dê-me o nome que você sempre me deu/
fale comigo como você sempre fez/ continuemos a rir junto/sorria; pense em mim.
Você que ficou - siga em frente. A vida continua bela, como sempre foi e será”.
Santo Agostinho de Hipona, (354- 430 d.C.)
Em momentos de grave crise nacional, bons
exemplos de vida devem ser lembrados.
Encantou-se o médico pernambucano William Pereira
Stanford. Existe gente famosa que não é importante. E outras que são apenas de
sucesso, famosos. A passagem de cada um pela vida deve contribuir para que, ao
final, o mundo tenha melhorado.
É o caso desse amigo meu, enlevado no dia
25.04.17. Deixou um mundo melhor do que o que encontrou. Para isso, viveu,
lutou, batalhou, foi compreendido e compreendeu, foi combatido e combateu.
Episódios podem encantar a vista, porém é o
mérito que conquista o coração. Seus rompantes eram como forte chuva que fazia
mais frondosas as cores da vida e do lugar onde brotaram.
Pioneiro nos transplantes de rim, das
hemodiálises, das novidades cirúrgicas, e de tantas outras coisas além da
Medicina. Leitor de Espinosa. Seu Deus era o mesmo desse filósofo nascido em
Portugal e que fugiu para Amsterdã, na Holanda. Como médico, seu curriculum
era vastíssimo e dele pouco falava ou contava e menos arrazoava. Atuava.
Ensinava. Acreditava no trabalho.
Fez do Real Hospital Português de Beneficência
em Recife - Pernambuco, seu campo de luta, de apego, seu tudo. Nele criou,
produziu e jamais mediu esforços a seu engrandecimento, apesar das dificuldades
encontradas. Não se deteve como semeador da Medicina apesar de amanhar em solo
pedregoso e árido neste Trópico Semiárido Nordestino. Como fiel e telúrico
originário, jamais deixou, abandonou sua terra por maior aspereza que dela
adviesse. Deu seu recado de vida e foi enterrado onde seu cordão umbilical foi
cortado.
Poucos sabem de suas peripécias, sempre dentro
da Cultura e de sua amada Medicina. Recém-graduado, foi para a Selva Amazônica
para iniciar sua carreira médica, e daí guardava para os amigos, conhecidos, as
histórias desse lugar. Selva. Rio. Água. Índio. Das mais fascinantes facetas.
Passou a ser verdadeiro contador dos mistérios do hileano brasileiro.
Com meu irmão de sangue, Fernando Zisman,
improvisou uma sociedade para “passar a mão” em livros. Desse episódio escrevi
uma crônica: ‘Ladrões de Livros’. Fato inimaginável no contemporâneo.
Pré-adolescentes, roubavam livros da livraria Imperatriz e outras da mesma
rua. Para quê? Para ler e emprestar depois, aos outros menininhos e
menininhas da Rua da Conceição no Bairro da Boa Vista, de sua/minha Recife.
Foram os dois pegos e devidamente castigados
por nossos respectivos pais. O meu e o do Bila, como nós o chamávamos na
intimidade da infância comum. Para não contar mais, esse Bila seguiu à risca o
clichê:
“O médico que apenas sabe medicina, nem
medicina sabe" citado em "Ler história: Edições 21-24"
-página 16, Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa – 1993.
Como acredito que
nada acontece por acaso, esse lema, cabe dentro do exemplo de vida do cirurgião
William Pereira Stanford e da longínqua cidade do Porto, cidade irmã do Recife.
A seus familiares, não posso oferecer minhas condolências: Serita, sua mulher e
mãe de seus filhos Peter e John. E digo por que:
— Wiliam é parte de
minha família afetiva, e as amizades são eternas.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da
Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).
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