Por Izabel Gurgel (*)
Alba Alves é a primeira. Começamos pela
letra A. E pela primeira hora do dia. Alba pode se referir à primeira luz do
dia, a da aurora, da alvorada, como nos lembram os dicionários. A B C, Alba
borda no Crato, onde mora entre um jardim e a Chapada do Araripe. A B C, Alba
borda e costura. É uma biblioteca portátil de bordado.
Você conhece o acervo de invenções têxteis que
reunimos nos termos simplificados de enxoval para bebê, peças para
recém-nascido ou, mais simples ainda, camisinha de pagão? É um dos alfabetos
bem aplicados por Alba Alves em superfícies para diferentes usos por gente
grande.
Naquela escala que é um chamado, convite
para prestar atenção, Alba Alves pode bordar, por exemplo, livros em pequenos
formatos. Até menores do que caixa de fósforo padrão. Eles nos olham e acendem
algo na gente. Ela também borda suportes para levar livros. Dá gosto ir com
eles.
Especialista no ponto rococó, como dito no
seu Instagram, a bordadeira Iara Reis diz que só existe um ponto de bordado. Os
demais dele derivam. É o básico do básico, um movimento-mãe, gerador, o da
agulha levando a linha a atravessar a mesma superfície duas vezes, em pontos
diferentes, constituindo o que se costuma aprender como primeiro ponto.
As variações a partir do primeiro ponto,
mas também a feitura do próprio, cada criatura que borda vai fazer como
respira. De modo único, singular, irrepetível. Aprende-se. Tanto a bordar
quanto a respirar. Para algumas pessoas, a experiência de bordar se torna
vital, além de vitalizadora. Ouvir uma delas é algo que eu desejaria a você.
O que Iara me contou no ateliê que ela
mantém em casa, em Fortaleza, ouvi também de outras bordadeiras mestras que
adoram o estado de bordar. Escutei também, sem que a isso se referissem, a cada
peça bordada que tomei nas mãos para ver melhor. Como a gente quer fazer com um
livro, uma fruta, um tecido avistado que cutuca nossa atenção.
Assim como exímias rendeiras, grandes
bordadeiras reconhecem cada feito onde nós, por mais prática de prestar atenção
que tenhamos, vemos uma floresta quase sem a ver se compararmos com o olhar de
um mateiro. No bloco de folhas verdes, uma constelação de plantas com nome e
modo de existir próprios. Eloquência que pede o mais bonito silêncio.
Não saí da letra A, mesmo citando Iara (que
é das águas). Gente que borda nos amplia. Cada criatura, mundos. Diria da Lúcia
Galvão o que a física nos ensina sobre o universo. Contínua expansão. Pede para
o Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará, nosso Mauc, mostrar o céu de
Cordisburgo que ela bordou. Que ponto é aquele? A qualquer hora, Lúcia Galvão
faz a linha cantar.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 27/04/25. Vida & Arte, p.2.
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