sábado, 24 de maio de 2025

Íntegra da entrevista com o Prof. José Lima, diretor do Colégio Christus – Parte I

Entrevista conduzida por Larissa Viegas, jornalista de O Povo.

José Lima de Carvalho Rocha: o médico que se baseia na filosofia cristã e se encanta pelo poder da IA

O POVO - Professor, pode começar nos contando como tudo começou, a criação do colégio, o objetivo do seu pai, a entrada da sua mãe na instituição?

José Rocha - Em 1951, meu pai iniciou a escola. Depois de alguns anos, a minha mãe começou a trabalhar na escola também. Foi onde eles se conheceram, ele como diretor e ela como professora.

Mas, antes disso, ele já tinha estudado Teologia, Filosofia e recebeu solicitações para estabelecer uma escola, em um bairro que estava começando aqui em Fortaleza, que depois veio a se chamar Aldeota.

Foi quando começou a funcionar a primeira sede do colégio Christus. Portanto, essa era a ideia inicial, fortemente baseada em uma filosofia cristã.

OP - Vocês são 10 filhos. Como foi crescer com pais educadores? O senhor acha que eram valores diferentes àquela época?

José - Eu acho que toda família tem valores diferentes. Nenhuma família tem os mesmos valores umas das outras. Os da minha eu conheço muito bem. Justamente aquilo que era ensinado e praticado na escola também acontecia dentro de casa.

A história de temer a Deus, de ler pelo menos uma vez por semana o Antigo Testamento, o Novo Testamento, aulas de inglês ainda na primeira fase da nossa infância. Então, não via muita diferença em termos de valores na escola e o que acontecia em casa.

O diferente era ter realmente mais nove irmãos, que aos poucos foram chegando. Muitas famílias só tinham dois ou três filhos e a gente, por ser de uma família de 10, sempre escutava: 'Vixe, é muita gente'. Então me acostumei e depois tirei vantagem disso também.

OP - Como?

José - Por que não fazer uma equipe? Um time de futebol não dava, porque são 10, não tinha os 11, mas podíamos trabalhar juntos, podíamos enfrentar o mundo unidos. Uma das histórias que eles sempre me contavam era do Antigo Testamento, que tinha um Zé que tinha um bocado de irmão.

Depois ele me estimulou a ler o livro de Thomas Mann, um alemão, sobre José e seus irmãos. Eu digo: “Bom, ele já devia saber da minha vida, que eu não tinha vivido ainda!”. Mas daí fui estudando, vendo aquilo e vi que uma equipe pode ter um resultado muito melhor do que um trabalho individual.

Eu nunca acreditei em um trabalho individual, mesmo quando isso ainda não era um lugar comum. Hoje todo mundo sabe que precisa de uma equipe para trabalhar bem. Então, foi muito bom aproveitar essa quantidade de irmãos. Às vezes, eu digo para a minha mãe, mas ela fica meio chateada: “Mãe, era melhor se tivessem sido 20” (risos).

OP - O senhor pode contar como foi a sua infância, como foi crescer com tantos irmãos próximos?

José - As famílias treinam muito com o mais velho, erram mais com o velho. Então, eu senti que a forma como me educaram foi um pouco diferente dos que vieram depois, treinaram comigo, umas coisas deram certo, outras não.

E aí depois foi sendo aperfeiçoado. Mas foi ótimo, uma casa muito animada. Sempre moramos em Fortaleza, E naquela casa lá da (rua) Silva Paulet com (rua) Catão Mamede (onde hoje é uma unidade do colégio).

Então, minha vida toda foi lá. Minha mãe disse que o primeiro local que colocaram o berço foi dentro de uma sala de aula. E de manhã tinha que tirar tudo. Mas dessa parte eu não lembro (risos).

E depois foi crescer com esses irmãos que, por sua vez, cada um de nós atraía primos e amigos. Então, a casa esteve sempre muito cheia, muito animada, com muita gente. Então, gostei muito da minha infância.

E acho que essa interação com outros da minha idade ou mais novos do que eu me ajudou muito a entender, a saber lidar com pessoas, a saber trabalhar em equipe.

OP - Seus pais desejaram muito que vocês seguissem nesse ramo de educação ou foi algo muito natural também?

José - Não! Tanto que eu fiz Medicina, outro irmão meu fez Engenharia Mecânica, outro fez Engenharia Civil… Quer dizer, fomos para diversas áreas do conhecimento.

O que surpreendeu foi que meu pai passou por dificuldades econômicas na escola, por conta de empréstimos que tinha feito para ampliar a escola, e daí ele não conseguia mais pagar o que ele estava devendo.

Calculou de uma maneira e os juros subiram. Isso no fim dos anos 1970. E aí a minha mãe chegou e pediu ajuda. Ele não chegou para pedir ajuda.

Tanto que não pediu para trabalhar na escola, pediu ajuda para salvar a escola. Na verdade, a gente escutava na hora do almoço, na hora do jantar, as dificuldades que ele enfrentava, que não conseguia superar.

Ele nunca escondeu nada. A gente ia com ele pedir empréstimo ao banco, criança. E também dentro da escola, a gente sabia tudo que acontecia, a gente era aluno, cada sala de aula, cada série tinha um filho. Então, ficava fácil a gente saber tudo que acontecia e quais eram os problemas que tinham.

Então, não foi um estímulo. Ele nos orientava, nos capacitava para sermos adultos, profissionais e responsáveis. Era essa conversa. A passagem foi mais por uma necessidade do que por uma vocação.

Se você conversar com qualquer um que terminou Medicina comigo, eles vão contar a mesma coisa. Que o que eu queria era Medicina.

OP - Seu pai estudou fora do País, na Universidade de Washington, o curso de teologia. Ele falava muito sobre essa experiência?

José - Ele quase todo ano ia lá, visitar os amigos. E depois alguns vinham sempre nos visitar. Até que eles foram morrendo e na última reunião tinham só três. Aí disseram que não fosse mais. O que deixou ele muito triste. E pouco tempo depois os outros morreram também.

Ele manteve o vínculo. É muito parecido com a minha história, porque eu deixei a Medicina, mas ela nunca me deixou. Eu acho que foi muito parecido com a história dele, com a vocação religiosa dele.

OP - Quando a educação passou a ser vista como um legado pessoal e profissional dos seus pais?

José - A gente aprendeu a gostar da escola, que de qualquer forma fazia parte da nossa vida, por estar vivendo nela, por estar lá o tempo todo. Então, a gente aprendeu a gostar e não queria ver aquilo se acabar.

Porque ele chegou a dizer assim: "Vou vender, vou alugar. Não aguento mais”, mas a gente ficou esperando algo acontecer, porque ele não pediu ajuda.

Cada um já estava com o seu caminho traçado nas diversas profissões. Eu já trabalhava com Medicina, os dois logo depois de mim com construção civil.

E embora eu estivesse estudando Medicina, a gente construía casa, vendia casa, e a gente já tinha começado a formar um capital. Porque podia quebrar, então a gente tinha que ter como sobreviver.

Mas aí quando ele veio, chamei o pessoal e falei: “Vamos trabalhar juntos para recuperar”. E nós temos uma regra de ouro: nunca tiramos alguém que trabalhe conosco para colocar alguém da família. As pessoas não se sentem ameaçadas.

Esse sentido profissional, de desenvolver bem o talento de cada um, não só da família como os que não são da família, foi muito importante.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 22/05/2025. Reportagem. Legados. p.13-15.


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